34. O umbral está diante da 'porta' ou pilone' de Daleth (Daleth significa porta; sua atribuição é Vênus, puro Amor, e seu Caminho é de Chokmah a Binah, a base do triângulo das Supernas. Esta 'porta' é assim em tudo um símbolo apropriado da entrada à Iniciação.) Portanto o 'umbral' está abaixo do Caminho de Daleth na Árvore da Vida; isto é, é o Abismo.
O simbolismo acima refere-se estritamente à Consecução do Mestre do Templo; mas sua verdade é refletida no tecnicamente correto relato da Iniciação do Dominus Liminis a Adeptus Minor. Aí a 'porta' é o terceiro Recíproco ou Transverso Caminho (Daleth é o primeiro), Pé, que significa boca - a porta dos órgãos da vida. Pé é letra do Atu XVI, a 'Casa de Deus' ou 'Torre Fulminada'. O Hieróglifo representa uma Torre - simbólica do Ego em seu aspecto fálico, porém encerrado, isto é, separado. Esta Torre é ferida pelo Relâmpago ou Raio da Iluminação, o impacto do S.A.G. e a Espada Flamejante da Energia que procede de Kether para Malkuth. Da torre são arremessadas duas figuras formando, pela sua atitude, a letra Ayn (xx); estes são os gêmeos (xx) (Horus e Harpócrates) nascidos da abertura do útero da Mãe (o segundo aspecto da Torre como uma 'fonte encerrada', uma 'fonte selada' ou 'murada'). Eles representam, com referência ao aspecto másculo da Torre, os espermatozóides (Ayn é Capricórnio, o signo em que está o Sol no Solstício de Inverno L.N., quando o Novo Ano começa) emitidos pelo impacto do Orgasmo (Relâmpago ou Raio) e é 'arruinado' pela perda da ereção.
No 'umbral', o Dominus Liminis é ameaçado pelos Caminhos de Nun, Samekh e Ayn, os Atus XIV, XV e XVI (Temperança ou Restrição, Morte e o Diabo), os quais surgem de Tiphereth, a morada de seu Anjo, para impedir a passagem dos profanos da Ordem Externa da A.'. D.'. .
A diferença principal (em essência) entre as fórmulas das duas Iniciações, na R.R. et A.C. e na A.'. A.'. respectivamente, consiste em que o Adeptus Exemplus está completamente abaixo de Daleth se bem que ele cruzou o Segundo Caminho Recíproco Teth em seu progresso para se tornar Adeptus Exemptus, e não tem Caminho pelo qual possa viajar (a não ser Gimel, que leva de Tiphereth a Kether, não de Chesed a Binah, que é onde ele vai; isto é para conservar fora os profanos da Ordem Interna da R.R. et A.C.); enquanto que o Dominus Liminis já atravessou o Caminho de Pé para atingir o Grau de Philosophus, e o umbral está dentro, em vez de fora, do Pilone.
O significado disto é o seguinte:
Em cruzando o Abismo, o fito é aniquilar o Ego e suas faculdades por completo. Em simbologia cabalística: o fito é atingir a Zero. O perigo consiste portanto na identificação da consciência, ou 'ponto de vista', com qualquer dos produtos de desintegração.
Chorozon, portanto (nome pelo qual nós designamos a idéia da dispersão), não tem lugar na Tríada Superna. O umbral de iniciação, o Abismo, jaz completamente abaixo da porta de Daleth. A complecção da desintegração, a impotência (xx) e preguiça (xx) são garantidas pela ausência do amor (Daleth), o qual de outra forma poderia enfeixar os eventos dissipados para formar uma unidade (Em Liber 418, Sétimo Aethyr, nós aprendemos que se os Irmãos Negros pudessem apenas contemplar a Deusa do Amor - Daleth - acima deles, eles poderiam ainda chegar à Compreensão (Binah).
Na iniciação a Adeptus Minor, as condições são completamente diversas. O fito é a consecução da unidade, não da negatividade, e não existe tal perfeição nas Sephireth do Ruach: Chesed, Geburah, Tiphareth, as quais compõem os Graus da Ordem Interna (R.R. et A.C.) como necessariamente excluindo Choronzon dos três Graus A.'. A.'. O estudante é aqui referido às Torres Elementais de Vigilância de Sir Edward Kelly (Veja-se o Equinócio I, volumes vii e viii). As quatro Tábuas Elementais (12 x 13) são ligadas pela pequena Tabuleta do Espírito (4 x 5), ou (quando as tábuas são arranjadas de forma a mostrá-las cada qual uma sub-seção da unidade de Tetragrammaton) por um cruz negra contendo as letras desta pequena Tabuleta do Espírito. Os nome de demônios malignos são notavelmente formados ao tomarmos algum símbolo imperfeito e desequilibrado das Torres de Vigilância, tal como um nome bilateral de debaixo da barra de Cruz de Calvário em qualquer dos ângulos Menores - e prefixando a letra apropriada da Cruz Negra.
A doutrina assim implicada é que a natureza do Espírito não é somente representada por Shin, o Espírito Santo, cuja descida ao meio de Tetragrammaton santifica e ilumina as forças cegas dos Elementos, mas também pela matéria desalmada, escura, informe e vazia, o mero fundo para a manifestação, indiferentemente, de todos os fenômenos; e esta verdade é também simbolizada pela escuridão e pela potencialidade não desenvolvida do Akasa, qual explicado pela lenda de Shiva mencionada em um parágrafo prévio.
O Elemento de Espírito pode portanto manifestar-se tanto com o S.A.G. quanto como a Persona Maléfica, o Morador do Umbral, descrito sensacionalisticamente para o público por Lord Bulwe-Lytton em seu romance Zanoni. Esta doutrina é também frequentemente encontrada em lendas folclóricas, onde o homem é representado como atendido por um gênio bom e por um gênio mau. O horror do gênio mau é intensificado pela sua função como alternativa do S.A.G. Nenhuma outra inteligência maligna pode se comparar com esta, seja por sua terrível asquerosidade subjetiva, seja pela sua hostilidade objetiva. Pois o gênio mau não é menos uma possibilidade de Consecução que o S.A.G. Agora, no caso do Adeptus Exemptus, se ele for repelido da Cidade das Pirâmides por falta de obediência perfeita à formula de 'amor sob vontade' ele permanece perdido no Abismo sem nenhuma possibilidade futura a não ser a de identificar-se sucessivamente com cada fenômeno incoerente e ininteligível que aparece no sensório do homem material, o qual foi desintegrado como primeiro efeito de sua operação, cuja essência é recusar sanção a toda e qualquer imperfeição que protesta 'ser'. Inteiramente diverso é o caso do Dominus Liminis, cuja operação, se mal sucedida, pode ser uma simples derrota, talvez devida a erro não muito sério dele mesmo. À parte um simples desencorajamento, ele deveria ser capaz de tentar novamente sem desvantagem; de fato, ele deveria usar sua derrota prévia como uma lição. Mas ele pode também falhar por não ter assimilado completamente a injunção do Hiereus na cerimônia da sua iniciação ao Grau de Neófito: 'O medo é fracasso, e o começo do fracasso'.
Sê tu portanto sem medo, pois no coração do covarde a virtude não habita!' Similarmente, ele pode ter sido incapaz de satisfazer a fórmula do Hierofante naquela cerimônia: 'Lembra-te de que Força Desequilibrada é maligna. Excesso de Misericórdia é fraqueza; excesso de Severidade é opressão.' Além disto, a fascinação do mal é às vezes tão perigosa quanto o medo. Em qualquer caso, ele pode esperar ser confrontado antes de mais nada pelo seu Gênio Mau (Veja-se, adiante, a cerimônia do Zelator na A.'. D.'.; a aparição dos Anjos Samael, Metatron e Sandalphon). Ele pode não resistir ao ataque. Ele pode ser repelido do umbral, e sua derrota pode ser mais ou menos prejudicial, de acordo com as circunstâncias. Mas seu medo pode ser tão grande que o induza a transformá-lo em fascinação, ou sua exaustão tão completa que ele esteja disposto a comprar a paz a qualquer preço. Em tal caso, o resultado pode ser que ele aceite sua Persona Maligna como seu S.A.G. Eu não gostaria de afirmar que mesmo uma tão pavorosa forma de fracasso é necessariamente fatal e definitiva, se bem que evidentemente deve sempre acarretar um Karma desastroso, envolvendo como envolve a asserção mágica, fortificada pelos juramentos mais solenes e selada pelo mais intenso êxtase da existência do mal absoluto (em certo senso da palavra; na realidade, para isto definida por ele mesmo); isto é, ele aquiesceu em dualidade, estabeleceu um conflito interno em si próprio, e cerimonialmente blasfemou e negou a unidade de sua própria Verdadeira Vontade.
Por arrasadora que seja uma tal catástrofe, no entanto não é nem pode ser final, pois que os princípios envolvidos não se estendem acima de Tiphereth. Ele se tornou um Mago Negro, sem dúvida; mas está longe ainda de ser um Irmão Negro. Não pode ser afirmado que um tal Mago Negro manifestará qualquer tendência a se tornar um Irmão Negro quando a ocasião chegar; pois sua união, mesmo com a personificação do Mal, é também um ato de amor sob vontade, se bem que essa vontade seja falsa e viciada por todos os erros e defeitos concebíveis. Seu principal perigo é presumivelmente que a intensidade do sofrimento que resulta de sua (xx) pode, como no caso de Glyndon em Zaneni, levá-lo a querer escapar por completo da magia, a abster-se de quaisquer atos de amor por medo de se afastar ainda mais do seu verdadeiro caminho. Que ele se lembre das palavras de meu irmão: 'Se o tolo persistisse em sua tolice, ele se tornaria sábio.' Que ele portanto persista resolutamente em iniquidade, invocando a vingança dos Deuses, para que ao fim o excesso do seu amor e a transcendência da sua angustia possam trazê-lo de volta ao caminho da verdade.
Do acima deve se tornar claro como é que o Gênio Mau está dentro do Santuário do Templo da Rosa Cruz, cuja fórmula é 'amor sob vontade', enquanto Choronzon é excluído igualmente desse templo e da Cidade das Pirâmides, cuja lei, se bem que ainda 'amor sob vontade', compreende ambos estes termos como sem limite.
O Gênio Mau é descrito agora. A linguagem, naturalmente, é simbólica. Ao mesmo tempo, a aparência dada aqui poderia perfeitamente corresponder de perto às expressões sensória da experiência.
Duas vezes nos é dito que ele "quedou", o que deve ser contrastado com a atividade de "ir" do S.A.G. (Veja-se vv. 37-41). É a característica peculiar de todo Deus que ele "vai". Por isto ele leva o Ankha, ou ataduras de sandália, nos monumentos egípcios. Esta antítese se contrasta com a concepção dos Irmãos Negros, fechados em si mesmos, ressentindo mudança. A concepção thelêmica do Universo é dinâmica, de forma que stasis é inevitavelmente o símbolo de conflito com a Natureza. É o equivalente de Morte; pois a Morte sendo uma mudança, é um evento, isto é, um fenômeno de atividade da vida. Esta doutrina deve ser cuidadosamente estudada em CCXX.
Que o estudante preste atenção, além disto, ao contraste entre os símbolos do S.A.G. e os do Gênio Mau. Os do Anjo (veja-se vv. 38-41) são positivos, ativos, sólidos, dinâmicos; de carruagens, cavaleiros, lanceiros; as armas de Júpiter e Pan são tremendamente vitais em suas mãos. Em contraste, o Gênio Mau é vago, irreal e inativo.
Suas características são o horror e o vazio. Seus olhos são fosforescentes (1) e isto é particularmente repugnante, já que o sentido da visão é atribuído ao Fogo, e deveria ser agudo e luminoso. As atividades que ele controla são vagarosas, gosmentas e vermiculares. Seus olhos se asssemelham a poços de água venenosa, isto é, eles espreitam e recebem tão pouca luz quanto possível, quando o olho ideal deveria chamejar de luz. Ele faz com que o ar mesmo ao redor dele se torne estagnado e fedorento. Anatomicamente, ele se assemelha a um peixe, um habitante de sangue frio do elemento passivo (Note-se o peixe como símbolo aceitado de Jesus). Mesmo assim, ele é velho, vagaroso, enquanto que a virtude principal de um peixe é que desliza rapidamente. E ele é enrugado, oferecendo desnecessária resistência aos seus próprios movimentos, e aumentando sua fricção. Hediondo!
Cascões ou Qliphoth são excrementos sem vida e Abaddon é o destruidor ou dispersor - o destruidor por dispersão.
Liber Cordis Cincti Serpente
Nota de Marcelo Motta:
1 - "ghastly" no original inglês; O.M. comenta que toma a palavra em seu estrito senso original, relacionado com o alemão Geist - fantasma, cascão, ou sombra espectral. A fosforescência de matéria em decomposição causadora do fogo-fátuo, é uma aproximação.