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ensaios dos membros - thor

A SERPENTE DE OURO

Capítulo  I

Fiquei órfão de mãe três dias após meu nascimento. A partir deste fato, meu destino, sob certo aspécto, estava decidido. Mas isto somente tornou-se claro para mim anos depois.
 Meu pai, ainda muito jóvem e sem suficientes recursos financeiros para arcar com as responsabilidades de minha criação – se é que os pais tên alguma responsbilidade para com os filhos – entregou-me a um casal de abastada família carioca. Estes pais adotivos me criaram e educaram dentro dos melhores padrões existentes na época, embora demasiadamente tradicionais.
           

Eu nascera tão franzino que, segundo opinião médica, pouca ou nenhuma chance havia em minha sobrevivência, principalmente na falta do leite materno.
           

Maria, uma linda jóvem mulata de dezenove anos, foi contratada, por meus pais adotivos, para suprir esta falta como ‘ama de leite”. Mãe solteira, dera a luz a uma menina poucos dias antes do meu nascimento. Durante anos, eu e Simone – minha irmã de leite – nos relacionamos como verdadeiros irmãos. Tal fato concorreu para que qualquer tipo de preconceito racial ou social fosse arrancado, pelas raízes, de meu coração.
           

Graças ao vigoroso leite de Maria, consegui contradizer o fúnebre prognóstico médico. Assim suplantei o primeiro obstáculo erguido ante mim no alvorecer da vida. A jóvem ama de leite representou, no decorrer do tempo, e sob vários aspéctos, a mais importante influência que eu sofreria nos primeiros anos de existência e, sem qualquer sombra de dúvida, de meus futuros caminhos.
           

Fortalecido pela energia de Maria, consegui sobreviver. Também graças à sua influência áurica, as inatas tend6encias místicas e mágicas, herdadas de minha família, vieram à tona mais rapidamente.
           

Maria permaneceu, por longo tempo, a serviço da casa como governanta. Tinha se integrado totalmente à família.
           

Os anos passaram....
           

Não havia eu ainda completado dezesseis anos de idade, em pleno início da adolescência, quando vivi a primeira e mais insólita experiência que um homem pode experenciar em sua juventude sob o ponto de vista de seu desenvolvimento psíquico, sexual e  mágico. Experiência esta que viria a ser a precursora de outras subsequentes, e à qual jamais seria esquecida pelo resto de minha vida. Representou minha primeira Iniciação nos mistérios da Vida.
           

Aconteceu em pleno verão de 1950.
           

Já me encontrava em meu quarto para dormir. Estudara o dia inteiro. Estava cançado. Dentro de quatro dias submeter-me-ia a exame de admissão ao Colégio Militar. Minha agitação e ansiedade afastarvam o sono. O quarto, um amplo aposento como era normal nas casas daqueles tempos, estava mergulhado em semi-escuridão. Meus pais adotivos, como habitualmente, encontravam-se na sala do andar térreo da casa  escutando rádio; hábito comum na época. A televisão ainda engatinhava no Brasil. E nem todos possuiam um aparelho tão caro.
           

Com a porta e janelas abertas  para minimizar o calor reinante, eu podia ver, da cama, o lindo céu, onde o crescente lunar flutuava como um barco num oceâno de estrelas. Sempre que podei, eu apreciava as estrelas, e me sentia enlevado pela luz do luar. E quando mais criança queria saber de que eram feitas as estrelas e como ficavam penduradas no céu, piscando sem parar. Em minha imaginação pareciam olhos olhando o mundo aqui em baixo.
           

Entre dormindo e acordado, percebi um ligeiro ruido e um vulto entrando no ambiente semi escuro. Assutei-me. Erguendo parte do corpo, percebi aliviado que maria encontrava-se no solar da porta. Mas que poderia ela estar fazendo ali àquela hora?  Ia formular a pergunta quando ele levou o indicador aos lábios pedindo silêncio. Em seguida veio em minha direção, falando uma estranha e sonora linguagem.  Singularmente algumas palavras me pareciam familiar, outras não. Andava vagarosamente, como se flutuasse. Parou à poucos passos dos pés da cama e – eu podia ver agora – encontrava-se completamente nua, não fosse um colar que lhe pendia sobre os seios volumosos e bem feitos. Nua, Maria era, como eu houvera várias vezes imaginado em meus devaneios eróticos de adolescente, incrivelmente bela e atrativa. A pele achocolatada parecia cetim. O umbigo redondo e raso sobressaía no ventre tão gracioso como não poderia haver igual. Seu exuberante corpo brilhava à luz do luar entrando pelas janelas. Seu suór, devido ao calor reinante, corria em gotas cintilantes como pérolas até seu aveludado pubis negro como a noite. Eram outras estrelas em outro espaço. O pelo entre as coxas esguias estava bem aparado, expondo o contorno de seu maravilhoso monte de venus. Praticamente no início da puberdade, com o Fogo Sagrado queimando na sua base, permaneci estático, maravilhado e fascinado ante aquela ináudita visão se revelando ante meus olhos. Maria encontrava-se na plenitude da vida, em seus  trinta e poucos anos: bela e madura. No auge de sua sensualidade e sexualidade. Não seria necessário dizer que no mundo não há visão mais paradisíaca, para um rapaz, em pleno florescer do Fogo, do que aquela de uma mulher nua, radiante, à sua frente. Maria apresentava-se uma verdadeira estátua viva, tornando-se mais e mais visível à medida que meus olhos se adaptavam à semi-obscuridade do quarto. Seios altos, pernas firmes e longas, ventre liso...
           

Tênue claridade, como a azul luz da descarga elétrica, a envolvia como uma áura de brandas chamas, acentuando os contôrnos do corpo moreno. Naquele instante  lembrei-me de Iansã, o orixa feminio do Panteão Umbandista, e ao mesmo tempo Isis, a Egípcia Deusa Lunar e dos Mistérios, sobre os quais já houvera lido em vários livros de meu pai, um estudioso estudioso dos temas esotéricos e maçônicos.
           

Quase sussurrando, a “deusa” à minha frente, iniciou um canto cadenciado, enquanto movia-se num bailado de movimentos sensuais, muito parecidos com a dança do ventre. Mas não era a mesma coisa. Ali havia algo de diferente do bailado oriental...
           

Cantava e dançava e girava em volta de imaginário ponto no centro do quarto. Os movimentos executados por Maria, em sua exótica dança, pareciam traçar as  linhas de uma figura geométrica. Impossivel descrever o tempo de duração daqueles movimentos. Pareciam eternos. Ela movimentava-se, se isto é possivel, em camara lenta. Algo começou a pulsar em meu interior; e aquilo crescia e crescia. Tinha a impressão que ia sair pela boca num grito jamais dado pela garganta humana. Nas profundezas de meu ser eu soube, com absoluta certeza, que passaria pelo momento supremo de minha vida. A certeza cresceu com divinas sensações.
           

Subitamente, Maria, parou a dança e o canto. Dirigiu as palmas das mãos em minha direção. Ilusão ou não, vi filetes de luz sairem dali. Todo meu corpo vibrou em espasmos de prazer ao impácto daquela luz. Era como suave corrente elétrica percorrendo músculos e pele. Perdi minha identidade. Não era mais eu, mas sim aquele prazer. Tornei-me diminuto ponto sem dimensão perdido no espaço. Este ponto crescia e crescia, mas continuava sem qualquer dimensão. Percebi-me uma estrela entre milhares de outras. Eu já houvera passado por semelhante experiência quando, há alguns anos, com peneumonia, ardi em alta febre. Porém, não era a mesma coisa; não me sentia mal. Houve uma surpreendente mudança em minha consciência Vi-me em outros lugares e sob outras formas, difíceis de serem descritas. Maravilhosos lugares, outros terríveis, desfilavam ante meus  “olhos”, como numa tela cinematográfica. Entretanto, não me assaltou qualquer sentimento de medo. Pelo contrário:  eu era pura energia, e o Universo um Jardim de Delícias. E nada neste Universo me poderia afetar. Estranha sensação: eu e o Universo eramos contínuos. Eu era o próprio Universo. Tudo mais consistia em projeções de minha mente.
           

À minha frente continuavam desfilando cenas deslumbrantes de beleza e magia, nas quais Maria tornava-se uma coruscante serpente dourada e, em seguida, adquiria uma forma humana faiscante, como se tecida de luz estelar. Acima de sua cabeça, espirais de luz subiam até se perderem no infinito oceâno das estrelas. Inúmeros pontos de luminosos giravam à minha volta. Eu era aqueles pontos. Estava neles, e eles em mim.
           

Como se tecida de luz viva, maria irradiava: uma flama de ouro fundindo-se em raios luminosos, faiscantes, de um colorido e beleza indescritiveis. O pubis daquela  “deusa” brilhava como um negro diamante ferido pela luz violeta; seus verdes olhos eram puras esmeraldas faiscantes. Seguiu-se um interlúdio de felicidade e prazer extremos. Tomou-me uma sensação de estar mergulhado no negrume luminoso daquele Portal. Maria sorria. Ó meu deus, que loucura. Meu penis pulsava. Indentifiquei-me naquele pulsar, consuzindo-me à total inconsciência. O mesmo fenômeno reapareceria, anos mais tarde, e por diversas vezes, quando  praticando  Swastikasana, mantinha a posição por argo espaço de tempo.
           

Maria veio em minha direção. Mas não era mais Maria. Não andava: apenas vinha... Sorria. De seus lábios filetes de luz corriam. Como flexas de ouro, na direção de meu coração.
           

Ela subiu na cama e se ajoelhou, e me fez sentar lentamente; mas tão lentamente que eu mal podia sentir. Desnudou-me por completo. Em seguida, chegando mais perto, cruzou minhas pernas na posição do Lotus Sagrado. Suave e delicadamente sentou-se, por sua vez, sobre meu membro entumecido, cruzando as longas pernas às minhas costas. A penetração foi profunda. Eu parecia dissolver-me dentro dela. O calor irradiante do corpo de Maria envolveu-me num maravilhoso afago; e o morno odor de sua sensualidade, misturado ao de seu doce suór, rescendia em todo aposento. Jamais eu sentira um perfume tão enebriante. As mãos da “mulher deusa”corriam suavemente em minhas costas. A respiração fluia lenta e profunda. Nossos corpos unidos estavam envoltos em um alo de luz maravilhosa.

Maria movimentou os quadris para a frente, introduzindo mais fundo meu penis em sua vagina quente e húmida. Balbuciou um Nome e permaneceu imóvel, irradiante, uma flama divina de amor abraçando-me ternamente num mar de estrelas. Para mim jamais haveria uma visão, uma felicidade tão soberbas como naquele momento interminável. Minha percepção era uma mistura de satisfação sexual, de plenitude e de religiosidade. Minha amante eram uma deusa encarnada.
        

Agora, eu sentia os moviementos gentis de contração da vulva de Maria em torno de meu membro; mas era como se fosse no corpo inteiro... e além dele. Mas que corpo? Eu não possuía corpo – pelo menos esta era minha sensação presente. O Nome  foi pronunciado novamente e novamente. Somente anos depois eu viria a saber seu significado. O tempo em que ficamos assim abraçados, numa profunda  “adoração”, não poderia ser medido pelos padrões comuns. E jamais seriam. Uma Eternidade em um segundo.
        

No supremo momento, ela gentilmente pressionou-me o plexo solar, Minha respiração parou por alguns instantes. Ondas de prazer quase me sufocaram. Maria beijou-me longamente. Um sol explodiu dentro de mim. Uma coruscante Lingua de Fogo ergueu-se através minha coluna dorsal, atingindo um indeterminado ponto no cérebro. Minha coluna era um phallus e meu cérebro um kteis. O fogo queimava, porem era prazeiroso. Paredes, teto, chão, tudo que limitava sumiu naquele clarão. “Derreti-me” dentro Dela. A partir desse momento apenas existia Luz. Apenas existia Trevas. E naquilo, o melodioso e suave som de uma flauta ondulava, construindo e destruindo Universos.  Tudo e Nada estavam naquele som. Perdir-me num Mar de indescritível felicidade...
                 

Três dias após aquela noite, Maria foi-se embora com a filha, e eu nunca mais a vi, a não ser no memorável dia de minha......

 

Capítulo  II

YEMANJÁ

                        Eu mergulho na União Mística do
                        Pensamento e do corpo.
                        Tu és a Mulher de outro mundo,
                        de outro tempo.
                        Tua beleza, incandescendia espiri-
                        tual, brazeiro carnal, é a Encarnação
                        do Oceano Negro.
                        Eu Te venero como a uma Deusa,
                        O que na verdade Tu és.
                        Correntes de ouro me prendem a Ti.

                                    (Anônimo)

 

                       

Meus pais adotivos, embora originários de família tradicionalmente católica romana, passaram a se dedicar ao culto Umbandista após certos acontecimentos marcantes em suas vidas. Minha mãe adotiva revelara-se uma magista natural de consideráveis poderes. Iniciou-se nos Mistérios da Umbanda pouco depois de seu segundo matrimônio, e quando seu filho verdadeiro morreu em circunstâncias deveras dolorosas para ela.
                       

Assim, desde muito cedo vi-me em contato com Energias oriundas de outros planos de manifestação, o que, obviamente, atuou diretamente em minha natural tend6encia para a Magia, e ao mesmo tempo, afastou-me o suficiente das influências malsãs do romanismo.
                       

Minha tendência às artes mágicas e místicas vinha certamente de minhas origens hispano-árabes. Meus ancestrais, pela linha paterna, emigraram para a Espanha durante a ocupação moura da Peninsula Ibérica. Se estabeleceram em Valência. Nos negros tempos da Inquisição, um de meus ancestrais, de nome Almaida, sofreria o martírio na fogueira inqusitória por motivo de seus estudos e experimentos alquímicos. Esses conhecimentos, perigosos na época, foram mantidos como patrimônio secreto dentro do grupo familiar, e posteriormente, é de se julgar, perderam-se quando um dos ramos familiar emigrou para o Brasil. Entretanto, a herança genética de meus antepassados veio com eles, aflorando em minha formação psico-somática séculos depois.
                       

Atingindo a adolescencia, fui atraído acentuadamente para a mais proeminente entidade do panteão Umbandista: Yemanjá, o orixá fêmea das águas que, no sincretismo Afro-brasileiro identifica-se com a Virgem; no  Antigo Egito com Isis, a Grande-Mãe terrestre que, por sua vez, em plano  mais alto, identifica-se com Nuit, a Grande Mãe celeste. As imagens destas  ‘deidades’, em vários panteões, me foram dadas a ver e sentidas em íntimo contato, encarnadas em Maria, a exuberante mulher de seios fartos, que me amamentara no início de minha vida e, mais tarde, copulando comigo ritualisticamente.
                       

A “adoração” dirigida à Yemanjá (mais verdadeiramente Iansã – uma variante de Yemanjá), desenvolveu em minha personalidade características eroto-místicas e um grande respeito pelas mulheres. Por várias vezes, profundamente  “energizado” ao ponto da exaltação, mas sem condições de descarregar a energia acumulada com uma  mulher, eu me masturbava visualizando a “Deusa”. Nestes momentos de auto-erotismo, “sentia” a presença quase física Dela; entrava em transe e “viajava”.  Entretanto, pela  ‘educação’ daqueles tempos eu nada contava a meus pais a respeito. Quantos iguais a mim perderam a oportunidade de desenvolver seus dons de uma maneira mais natural?
                       

Fenômeno idêntico aconteceria, tampos depois, quando já maduro, eu ia para a cama com uma mulher. Principalmente prostitutas. Imediatamente às primeira carícias, ela se  “transformava” magicamente naquela deslumbrante Deusa. Isto fez com que muitas das mulheres, com as quais tinha contato, se apaixonassem ante o amor, a ternura, a delicadeza e a “devoção” existentes em um homem. É claro que o fato criou-me muitas dores de cabeça.
                       

O ato masturbatório pode ser chocante para os maliciosos e puritanos ligados à vários cultos crististas, e também para os hipócritas, escravos de religiões sob o estígma do “Deus Sacrificado”, morto e castrado – não para os verdadeiros iniciados que em tudo vêm a presença de Divina. O ato era automático, expontâneo e totalmente isento do sentimento de culpa. A imagem da Divina Mulher emergia naturalmente na tela de minha mente. Eu visualizava a Deusa com todos seus atributos; istoé, em sua forma tlesmática, tal qual representada no verdadeiro Panteão. O “arquétipo” surgia perfeito.
                       

Yemanja, sendo uma divindade do Panteão Africano, jamais deveria ser representada branca e usando vestido de baile, como acontece ser figurada normalmente. Tal imagem, totalmente distorcida, demonstra cabalmente a intromissão do Romanismo, ao qual falsos umbandistas aceitam passivamente. A imagem de Yemanjá, indubitávelmente deveria ser de uma mulher negra, seios fartos e exuberante em toda sua sensualidade e sexualidade. A atmosfera do  “pecado”, ou  “culpa”, envolvendo o ato não só da cópula, como de qualquer outra forma de expressão sexual, envenena o homem e a mulher:  física e mentalmente.
                       

Devemos aos teólogos da tristeza, a difusão generalizada de um ascetismo negativo, negando a vida, e glorificando a morte; que aborta o crescimento da flor da alegria, fazendo-a ceder lugar a espinhos de amargura. O martírio do corpo físico, o sacrifício  (como entendido pelos castrados da Igreja de Roma) das mais naturais, expontâneas e legítimas manifestações do Ser, da Vida – desta maravilhosa dádiva que nos permite atuara eficientemente no plano físico, criando à nossa imagem e semelhança, e ainda servindo de apoio às formas mais sutis de manifestação – pertence a uma época já ultrapassada, quando as religiões, cristãs ou não, sustentavam a idéia de que as mais altas incursões do homem só seria possíveis através o sofrimento, do auto-sacrifício, e da negação dos sentidos. Tal idéia está simbolizada na imagem de um  “deus” sangrando, martirizado e moribundo, preso a uma cruz aviltante.
                       

Embora  tivesse sido criado à sombra deste “deus”, eu jamais consegui absorve-lo.  Jamais consegui entender uma divindade sendo escarnecida por mortais. Isto me impulsionava mais e mais em direção ao Heroi, ao Deus Guerreiro e à “Mulher cingida com a espada”—a Mulher Guerreira, consciente de suas prerrogativas, seus deveres e seus direitos. Por isto Yansã tornara-se a Minha Deusa predileta naquele estágio de minha vida.

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