A palavra Trance implica um passar além; isto é, além das condições que oprimem. O único propósito de todo verdadeiro treino místico e mágico é nos tornarmos livres de qualquer limitação. Assim, corpo e mente, no mais amplo senso, são os obstáculos no Caminho dos Sábios; o paradoxo, por trágico que pareça, é que eles são também os meios de progresso. Como nos desfazemos deles, como passar além deles e transcende-los, é o problema; e é tão estritamente prático e científico quanto aquele de eliminar impurezas de um gás ou de utilizar as leis da Mecânica habilidosamente. Aqui jaz o inevitável defeito lógico nas sorites do Adepto: que ele é limitado pelos próprios princípios que ele quer sobrepujar; a eles se apressam a executar uma vingança terrível sobre aquele que tenta se livrar deles arbitrariamente!
É na prática e não na teoria que esta dificuldade subitamente desaparece. Pois quando nós tomamos medidas racionais para inibir a operação da mente racional, a inibição não resulta em caos mas sim em percepção do Universo através de uma faculdade à qual as leis da Razão não se aplicam; e quando, retornando ao estado normal, nós procuramos analisar aquela experiência, nós percebemos que a descrição abunda em absurdos lógicos.
Se insistirmos em examinar o assunto, entretanto, gradualmente se torna claro (gradualmente porque o hábito de Trance de ser firmemente estabelecido antes que suas fulminantes expressões se tornem verdadeiramente inteligíveis) que não há dois tipos de Pensamento ou de Natureza, mas um apenas. A Lei da Mente é a substância única do Universo, como também o único meio através do qual nós o percebemos. Assim, não há nenhuma verdadeira antítese entre as condições de Trance e aquelas de raciocínio e percepção; o fato que o Trance não é ameno às regras de discussão intelectual é impertinente. Nós dizemos que em Xadrez um Cavalo viaja na diagonal de um retângulo medindo três por dois quadrados; e não mencionamos, nem consideramos, seu movimento como um objeto material no espaço. Nós descrevemos uma definida, limitada relação em termos de um especial significado obtido através de um simbolismo arbitrário; quando analisamos qualquer exemplo dos nossos processos mentais ordinários, nós percebemos que o método de funcionamento deles é inteiramente análogo. Pois aquilo que nós "vemos", "ouvimos" etc, depende, por um lado, de idiossincrasias e por outro, de interpretação convencional. Assim nós concordamos em dizer que relva é verde e em evitar caminhar na beira de despenhadeiros sem qualquer tentativa de nos certificarmos de quaisquer duas mentes tem concepções exatamente idênticas do que essas coisas possam ser; e justamente dessa mesma forma nós concordamos quanto aos movimentos das peças de xadrez. Pelas regras do jogo, então, nós devemos pensar e agir, ou nos arriscarmos a cometer todo tipo de erro, mas podemos estar perfeitamente cônscios de que as regras são arbitrárias e de que afinal de contas, a coisa toda é um jogo.
A tolice constante do místico tradicional sem e envaidecer tanto ao descobrir que o Universo não era assim mais que um brinquedo inventado por ele para seu próprio divertimento que ele apressava a exibir seus poderes em uma deliberada incompreensão e um abuso do brinquedo. Ele não percebia o fato de que justamente porque o Universo não é mais que uma projeção do seu Ponto de Vista, é integralmente a Ele Mesmo que ele ofendia!
Aqui jaz o erro do Panteísmo tal como aquele de Mansur-el-Hallaj que Sir Richard Burton critica tão deliciosamente (no Kasídah), zombando de sua impotência:
" Mansur era sábio, mas mais sábios aqueles
Que com muitas pedras o mataram.
E se bem que o sangue dele serviu de testemunho,
Nenhum Poder-Sabedoria pode conserta-lhe os ossos. "
Deus estava nas pedras atiradas tanto quanto dentro do turbante de Mansur; e quando os dois chocaram um com outro, um ponto de percepção do fenômeno foi obscurecido - o que absolutamente não era seu intento!
Para nós, entretanto, este assunto não é de lamentar; é (como todo fenômeno) um Ato de Amor. E a definição mesma de um Ato de Amor é a Passagem Além de dois Eventos para um Terceiro e o retiro deles a um Silêncio ou Nada por simultânea reação. Neste senso pode ser dito que o Universo é um constante ingresso em Trance e de fato, a correta compreensão de qualquer Evento, através da Contemplação apropriada, deveria produzir o tipo de Trance próprio à síndrome Evento-Indivíduo no caso.
Agora, toda Magia é útil para produzir Trance pois (1) treina a mente da disciplina necessária a Yoga; (2) exalta o espírito à impessoal e divina sublimidade que é a primeira condição de sucesso (3) amplia as fronteiras da mente, assegurando-lhe completa mestria de todos os planos mais sutis da Natureza, assim lhe fornecendo material adequado para consumação extática da Eucaristia da Existência.
A essência da idéia de Trance está em verdade contida na Magia, que é pré-eminetemente a transcendental Ciência e Arte. Seu método é, em um senso, uma passagem além das condições normais. Os verbos transcrever e outros semelhantes, são de virtude cardinal em Magia. Daí "Amor é a lei, amor sob vontade" é a suprema epítome da doutrina mágica e sua Fórmula universal. Nem necessita qualquer homem temer ousadamente que qualquer operação Mágica só é completa quando caracterizada (sem senso ou outro) pela ocorrência de Trance. Foi malfeito restringir o uso da palavra à substituição da consciência dualística humana por aquele impessoal monístico estado de Samadi. O fogo fátuo do Erro pula rápido do atoleiro da ignorância quando se faz qualquer distinção forçada "entre uma coisa e qualquer outra coisa". Sim, me verdade e Amén! É a primeira necessidade, assim com a ultima consecução de Trance, abolir toda forma e toda ordem de dividualidade, tão depressa quanto essa se apresente. Por este raio de luz poderia ler o Livro de vosso próprio relatório Mágico, o autêntico de vosso próprio sucesso.
Pequenos Ensaios em Direção a Verdade.
Traduzido por Frater Ever