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ensaios dos membros - Therion

UMA MELHORIA NA PSICANÁLISE

A PSICOLOGIA DO INCONSCIENTE PARA CONSUMO NO JANTAR

 

Psicanalise, a investigação da natureza da mente, é uma velha brincadeira. Mas a ciência – se for mesmo ciência – encontrou uma nova forma para tal brincadeira de salão. Através dela as reações de uma pessoa a varias impressões são medidas através dos nervos. A pulsação quando o professor de repente grita ‘Muriel’, a expressão depressiva quando ele fala ‘imposto de renda’, hoje tudo isso pode ser pesado na balança da ciência.

Após uma pesquisa trabalhosa de meses toda a natureza da alma é despida e as razões pelas quais se prefere Cherrystones a Little Neck são conhecidas. Até mesmo os sonhos de alguém tem, supostamente, por essa escola, revelada a sua natureza oculta.
O professor Freud, de Viena, é mais conhecido por aqueles que seguiram essa linha de estudo, mas recentemente, o professor Jung, de Zurique, desafiou esse ensinamento e a sua supremacia com um livro chamado ‘Psicologia do Inconsciente’.

Existe uma divisão na psicanalise. Este ensaio, em linhas gerais, irá apresentar a doutrina da psicanalise e explicar a natureza da disputa entre Freud e Jung. O assunto é fascinante e provavelmente será discutido nas mesas de jantar daqui para frente.
Nossos avós, no passado, gastavam horas à noite com teólogos, ou melhor, com as suas Obras. Eles poderiam interpretar os próprios sonhos via trabalhos religiosos. Mais nous avons changé tout cel. Hoje eles dançam Ula-Ula no Montmartre até o amanhecer e podem interpretar seus sonhos com a ajuda de Freud e Jung, pois José e sua turma foram considerados inaptos.

A psicanálise tem sido mal entendida pelo cidadão comum. A maioria de nós, no entanto, vai concordar com a necessidade de uma investigação sobre a causa dos sonhos – e dos sonhos dos poetas que são os mitos de uma raça (1). Para todos os efeitos tem causas psíquicas ocultas.

A era Vitoriana foi marcada pela sua tendência a interpretar mecanicamente todos os fenômenos. Não apenas destruiu nossas ideias da natureza divina da alma como nem sequer nos permitiu sermos humanos. Uma pessoa viva difere apenas de uma morta da mesma forma que uma máquina em movimento de outra desligada. A única diferença, nessa analogia, está na incapacidade de religar um homem como se faz com uma máquina.

Sonhos, portanto, foram considerados pensamentos não digeridos. Eu fiz uma pequena pesquisa no assunto anotando meus sonhos durante um mês. Todos, fora uns 2 entre 50, estiveram claramente conectados, seja com eventos do dia anterior, seja com condições do momento. Uma chuva no meu rosto iniciaria sonho de alguma aventura aquática por exemplo. Ou uma disputa contra alguém no xadrez geraria fantásticas adições em um cérebro já superexcitado.

Sou obrigado a dizer que a teoria que diz que os sonhos vêm de causas naturais de nosso dia a dia me parece satisfatória. Eu concebo o cérebro como uma edição de luxo de um ditafone (2). Imagino que certas perturbações em nossa corrente sanguínea (intoxicações e coisas do tipo) podem trazer a tona algumas dessas impressões aleatoriamente com o mesmo resultado, mais ou menos, como se ligasse uma vitrola e a mantivesse trabalhando de forma irregular. O nossos pensamentos são normalmente controlados pela razão, reflexão e vontade, quando esses estão ausentes acontece um motim, combinados numa conspiração monstruosa. Delírio nada mais é do que um pesadelo exagerado.

Para os vitorianos o universo é concebido mais como dinâmico do que cinemático, mais força do que movimento e a vontade, por fim, tornou-se muito significativa para a filosofia. Não deveríamos nos surpreender que o Dr. Jung de Zurique tenha contrariado algumas das conclusões de Freud. Ao invés de relacionar vontade ao sexo ele relacionou sexo com a vontade. Assim, de forma inconsciente, ele pavimentou o caminho para um renascer da velha ideia mágica da vontade como o aspecto dinâmico do ser. Cada indivíduo, segundo os iniciados, tem o seu proposito definido e assumindo forma humana com virtudes e defeitos, para realizar tal propósito. Essa verdade é expressa, na linguagem mágica, pela frase ‘Todo homem e toda mulher é uma estrela’ que encabeça os escritos chamados ‘Liber Legis’. Segue-se, então, ‘A palavra de Pecado é Restrição’, ‘Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei’. Assim, mais uma vez, vemos a Ciência se curvando ante a sua velha mãe, a Magia. O Dr. Jung, porém, não alcançou esse ápice via o pensamento consciente. Mas vê, claro o suficiente, que neuroses e insanidade surgem de repressões, dos conflitos internos entre desejo e inibição e ele, aparentemente, aceita totalmente a definição de ‘libido’ como Vontade no sentido mágico. O ‘elan vital’ de Bergson é a mesma coisa sob uma ótica mais simples. De qualquer forma, devemos nos alegrar com a tediosa e estupida tentativa em relacionar cada ideia humana ao sexo tenha sido relegada ao esquecimento ou, se preferir, afasta-la; que devemos agora interpretar o sexo em simbologia mais ampla e entender os antigos cultos a Pan como um abraço do universo mais do que qualquer outra ideia. A acusação de antropormofismo ainda existe, mas é necessária. ‘Deus é homem’ – o terceiro e secreto mote do Cavaleiros do Templo – é, apesar de tudo, pelo menos para a humanidade, uma proposição de identidade e relativo apenas na medida em que toda Verdade é relativa. A principal questão prática de aquiescência de Jung na teoria magica é, como explicado acima, a sua interpretação dos mitos. O mito é o sonho de uma raça. Ele percebe que Freud não pode sustentar a sua tese onde cada sonho é uma foto de desejo não realizado, mas ele procura provar que grandes mitos de uma raça, sendo os poemas de uma, são expressões artisiticas e religiosas da vontade dela. Pois a vontade do mundo manifesta-se verdadeiro no poeta já que ele é a encarnação do espírito dos tempos (o Zeitgeist). Ele estava restrito pelas condições da sua própria cultura e época, mas hoje a sua poltrona de descanso é o planeta e ele pensa em termos de eternidade e infinitude do espaço.

Agora a grande obra de Jung tem sido analisar os mitos raciais e encontrar neles a expressão dos desejos inconscientes da humanidade.

Não podemos pensar que ele tem sido particularmente feliz nas escolhas grosseiras em exercícios acadêmicos como ‘Hiawatha‘ que possui tanta inspiração quanto os iâmbicos Gregos feitos por um garoto do primário; e ele está ainda obcecado pelo método e também pelas principais ideias de Freud. Grande parte da sua análise é surpreendente e a primeira vista, ridícula. Podemos fechar nossos olhos às eternas contradições em seu simbolismo proposto? Jung se refere a serpente como um monumento ao desejo, um obstáculo, presença e ausência de desejo adaptando aos seus propósitos. Não existe coerência na argumentação e não existe qualquer tentativa séria em alinhar todos os símbolos relacionados em paralelo. Ele contribui com muito é verdade, mas omite outros muito importantes de modo que somos obrigados a suspeitar que suas omissões são intencionais.

Porém, o ponto principal deste artigo é ilustrar a linha mestra do raciocínio adotado por Jung,  esse entendimento de que o leitor pode descobrir suas próprias explicações para seus sonhos, desejos e mitos!

Jung é um determinista. Os Vitorianos, especialmente Herbert Spencer, que negam o ‘livre arbítrio’ diriam que um homem comeu um ovo não porque ele quis, mas por causa da história do universo. As forças do infinito e da eternidade através de um esforço hercúleo empurraram  o ovo goela a baixo! Isso é inegável, mas é apenas um modo de se enxergar a questão.

Então Jung trata a literatura da mesma forma. Ele não admite que um autor tenha feito qualquer escolha do material no qual trabalha. Se Rupert de Hentzau fere alguém no ombro é por causa do mito de Pélops e Hera onde os ombros são símbolos sexuais. Se alguém toca Rupert na orelha é porque Pantagruel nasceu da orelha de Gargamelle. Então a orelha é um símbolo sexual. Se o herói de uma aventura vai de Liverpool a Nova York é o mito da ‘jornada noturna pelo mar do sol ‘. Se ele vai ao Brooklyn é a Descida ao Hades de Virgílio ou Dante ou qualquer um! Não existe saída desse tipo de argumento, mas todos os argumentos que provam tudo não provam nada! Se eu provo que alguns gatos são verdes, é algo interessante, mas se eu procurar mostrar que todos são dessa cor eu vou me arrebentar. O ‘verde’ torna-se, implicitamente, incluído na ideia do ‘gato’.  Não faz sentido dizer que ‘todos os bípedes tem duas pernas’.

Porém, o Dr. Jung não se importa com isso. Ele definitivamente deseja reduzir o universo da vontade, que pensamos ser algo complexo e fascinante, a um único símbolo bruto. De acordo com ele a história da humanidade é uma luta da criança para libertar-se da mãe. Cada necessidade primal é satisfeita pela mãe; fome e fadiga encontram consolo em seu peito. Até mesmo a ‘vontade de morrer’, o desejo do repouso supremo e eterno, é interpretado como o retorno para a terra, a mãe de todos nós.

Ocorrerá ao leitor que há muito disso sim; por exemplo, o mito ou religião de uma raça tende a desaparecer com a emancipação dela da mãe e do sistema familiar. Mas não podemos deixar de nos revoltar contra o que parece ser o absurdo essencial dos argumentos de Jung : por exemplo, a importância do cavalo para o homem; com a variedade existente do animal Jung não enxerga nada na história de um homem no lombo do animal além de uma referencia ao ‘símbolo do cavalo marchador’ que, por sua vez, possui relação com os sonhos de um dos seus pacientes neuróticos tanto quanto com o mítico cavalo do Rig-Veda.

Quase preferimos o refinamento da modéstia evidenciada da jovem que sempre corou ao ver o número ‘seis’ – já que conhecia Latim!,(3) No entanto, todos deveriam estudar Jung. Suas conclusões são corretas no tocante ao principal mesmo que o seu trabalho seja rude e um pouco impreciso; temos que estuda-lo, gostemos ou não, para que ele seja logo reconhecido como o Autocrata das conversas ao jantar de 1917. (4)

Traduzido por Frater Keron-E

 

(1) O termo ‘raça’ hoje possui aspecto negativo, diferente de quando foi escrito o artigo (novembro de 1916). Poderia ser trocado por ‘cultura’ ou ‘um povo’ para soar melhor nos dias de hoje.

(2) Aparelho fonográfico inventado por Thomas Edison, que grava em tubos de cera o ditado de cartas, que devem ser reproduzidas por datilografia.

(3) ‘Seis’ em latim se escreve ‘sex’.

(4) Autocrata: monarca absoluto, déspota.

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