Tal como a Taça Mágica é a comida divina do Magus, o Pantáculo Mágico é a comida terrena dele. A Baqueta era a sua força divina, e a Espada a sua força humana. A Taça é oca para receber a influência do alto. O Pantáculo é plano como as planícies férteis da terra.
O nome Pantáculo implica uma imagem do Todo, onme in parvo,(1) mas isto é através de uma transformação mágica do Pantáculo. Assim como tornamos a Espada simbólica de tudo pela força da nossa Magia, assim também nós trabalhamos sobre o Pantáculo. Aquilo que é meramente um pedaço de pão comum será o corpo de Deus.
A Baqueta era a vontade do homem, a sabedoria dele, o seu verbo; a Taça era a sua Compreensão, o veículo da graça; a Espada era sua Razão; e o Pantáculo será seu corpo, o Templo do Espírito Santo.
Qual o comprimento deste Templo?
Do Norte ao Sul.
Qual a largura deste Templo?
Do Leste ao Oeste.
Qual é a altura deste Templo?
Do Abismo ao Abismo.
Não existe, pois, qualquer coisa móvel ou imóvel sob os céus que não esteja incluída neste Pantáculo, se bem que ele seja apenas de “oito polegadas” de diâmetro, e da grossura de meia polegada.
O fogo não é de forma alguma matéria; a água é uma combinação de elementos; o ar é quase inteiramente uma mistura de elementos, a terra contém todos tanto em mistura quanto em combinação.
Assim deve ser com este Pantáculo, o símbolo da terra.
Tal como este Pantáculo é feito de pura cera de abelhas, não nos esqueçamos de que “tudo quanto vive é santo”.
Todos os fenômenos são sacramentos. Todo fato, e mesmo toda falsidade, deve entrar no Pantáculo; ele é o grande depósito do qual o Magista tira aquilo de que necessita.
“Nos bolos castanhos de trigo provaremos da comida do mundo e seremos fortes”.(2)
Quando falamos do Cálice, foi mostrado como todo fato deve ser tornado significativo, como toda pedra deve ter seu lugar próprio no mosaico. Ai se houver uma pedra fora do lugar. Mas aquele mosaico não pode ser construído, quer bem quer mal, a não ser que toda pedra ali esteja.
Estes pedras são as únicas impressões ou experiências; nenhuma pode ser renunciada.
Não recuse coisa alguma só porque você sabe que é a Taça de veneno oferecida pelo seu inimigo; beba confiantemente; é ele quem cairá morto.
Como posso eu dar à arte do Camboja seu devido lugar no estudo da arte, se eu nunca ouvi falar do Camboja? Como pode o geólogo avaliar a idade daquilo que jaz debaixo do giz, a não ser que ele possua um tipo de conhecimento sem qualquer relação com a geologia: a história da vida dos animais dos quais aquele giz é o que resta?
Esta, pois, é uma dificuldade muito grande para o Magista Ele não pode abarcar a soma total de experiências possíveis e se bem que ele pode se consolar filosoficamente com a ideia de que o Universo é coincidente com aquela experiência que ele tem, ele verificará que esta experiência cresce tão rapidamente durante os primeiros anos de sua vida que ele quase será tentado a crer na possibilidade de experiência além das dele mesmo; e do ponto de vista prático ele se verá confrontado por tantas avenidas de conhecimento que ele ficará sem saber qual escolher entre elas.
O asno confundiu-se entre dois chumaços de capim; quanto mais àquele maior asno, aquele incomparavelmente maior asno, entre dois mil.
Felizmente, isto não tem muita importância; mas ele deveria pelo menos escolher aqueles ramos de conhecimento que lidam diretamente com problemas de ordem universal.
Ele deveria escolher não um ramo apenas, mas vários; e estes deveriam ser tão diversos uns dos outros quanto possível.
É importante que ele cultive excelência em algum esporte; e que esse esporte seja o mais bem calculado para manter o corpo dele em bom estado de saúde.
Ele deveria ter uma sólida base de estudos dos clássicos, da matemática e da ciência; também, suficiente conhecimento geral das línguas modernas e das maneiras de vida para lhe permitir viajar em qualquer parte do mundo com facilidade e segurança.
História e Geografia ele pode assimilar quanto e como lhe convenha; e o que mais deveria interessá-lo em qualquer assunto são os laços deste com algum outro assunto, para que o seu Pantáculo não seja sem aquilo que pintores chamam de “composição”.
Ele perceberá que, não importa quão boa seja sua memória, dez mil impressões entram sua mente para cada uma que ele é capaz de reter por um dia que seja. E a excelência de uma memória jaz na sabedoria de sua seleção.
As melhores memórias selecionam e julgam de tal forma que praticamente nada é retido, a não ser que tenha alguma coerência com o plano geral da mente.
Todos os Pantáculos conterão as concepções ultimais do Círculo e da Cruz; se bem que alguns preferirão substituir a cruz por um ponto, ou por um Tau, ou por um Triângulo. A vesica piscis é algumas vezes usada em vez do Círculo, ou o Triângulo pode ser simbolizado como uma serpente. Tempo e Espaço e a ideia da causalidade são algumas vezes representadas; assim também os três estágios na História da Filosofia, em que os três assuntos de estudo foram sucessivamente a Natureza, Deus e o Homem.
A dualidade da consciência é também algumas vezes representada; e a Árvore da Vida mesma pode ali ser figurada, ou as categorias. Um emblema da Grande obra deve ser adicionado. Mas o Pantáculo será imperfeito a não ser que cada ideia seja contrastada de uma maneira equilibrada com o seu oposto, e a não ser que haja uma conexão necessária entre cada par de ideias e de todos outros pares:
O Neófito talvez faça bem em executar os primeiros esboços do seu Pantáculo de forma muito ampla e complicada, simplificando subsequentemente, nem tanto por exclusão, mas por combinação, da mesma forma que um zoologista, começando com os quatro grandes Símios e o Homem, os combina a todos na palavra única: “primatas”.
Não é prudente simplificar demasiado, desde que o definitivo hieróglifo deve ser um infinito. A última resolução não tendo sido executada, seu símbolo não deve ser representado.
Se qualquer pessoa conseguisse acesso a V.V.V.V.V.(3) e lhe solicitasse discursar sobre qualquer assunto, é quase certo que ele poderia fazê-lo apenas através de um silêncio ininterrupto; e mesmo isto poderia não ser por completo satisfatório, desde que o Tao Te Ching diz que o Tao não pode ser declarado, quer pelo silêncio, quer pela fala.
Nesta tarefa preliminar de coligir materiais, a ideia do Ego não é de grande importância; todas as impressões são fases do não-ego, e o Ego serve apenas de receptáculo. De fato, para a mente bem treinada, não existe dúvida de que as impressões são reais, e de que a mente, se não é uma tábua rasa, só não é assim por causa das “tendências” ou “ideias inatas” que impedem certas ideias de serem recebidas com a mesma facilidade que outras.
Estas tendências devem ser combatidas; fatos desagradáveis devem ser insistentemente considerados até que o Ego seja perfeitamente indiferente quanto à natureza de sua comida.
Mesmo como o diamante brilhará vermelho para a rosa e verde para a folha da roseira, assim tu permanecerás à parte das impressões.
Esta grande tarefa de separar o ser das impressões ou “Vrittis” é um dos muitos significados do aforismo “Solve”, correspondendo ao “Coagula” implicado em Samadhi; e este Pantáculo, portanto, representa tudo que nós somos, a resultante de tudo que nós temos tendências a ser.
No Dhammapada lemos:
Tudo que nós somos resulta da mente; na mente é fundado, construído da mente;
Quem fala ou pensa maus pensamentos, dor o segue certa e cega.
Assim o boi planta seu pé, e a roda da carroça o segue.
Todos nós somos resultados da mente, e na mente está fundado, construído da mente;
Quem age ou pensa com pensamento correto, a felicidade certamente o segue.
Da mesma forma não deixa a sombra decair no seu lugar próprio.
O Pantáculo é então, em certo senso, idêntico com o Karma ou Kamma do Magista.
O Carma de um homem é o seu livro de contas. O balanço não foi ainda estabelecido, e ele não sabe quanto é; ele nem sequer sabe bem que dívida ele poderá ter que pagar, ou quais lhe são devidas; nem sabe em quais datas mesmo esses pagamentos que ele prevê poderão vir a ser cobrados.
Um negócio conduzido em tais linhas estaria numa confusão terrível; e nós verificamos que de fato o homem comum está justamente numa tal confusão. Enquanto ele trabalha de noite em algum detalhe sem importância dos seus negócios, alguma força gigantesca pode estar avançando pede claudo para ele.
Muitos dos lançamentos neste “livro de contas” são para o homem ordinário necessariamente ilegíveis; o método de lê-los é dado naquela importante instrução da A...A... chamada “Thisharb”, Liber CMXIII.
Agora, considere que este Carma é tudo que um homem tem ou é. Seu definitivo objetivo é livrar-se disto por completo – quando chega a hora de entregar o Ente ao Bem Amado; mas a princípio o Magista não é aquele Ente; ele é apenas o monturo de lixo do qual aquele Ente será construído. Os instrumentos mágicos têm que ser feitos antes que possam ser construídos.
Esta ideia de Carma tem sido confundida por muita gente que deveria ter mais senso, inclusive o Buda, com ideias de justiça poética e retribuição.
Nós temos a história de um dos Arahats do Buda que, sendo cego, ao andar de um lado para outro, matou sem saber certo número de insetos. (Os Budistas consideram a destruição de vida como a mais chocante dos crimes). Seus irmãos Arahats inquiriram como isto pôde acontecer, e o Buda inventou para eles uma longa história de como, numa encarnação prévia, aquele indivíduo maliciosamente privara uma mulher do senso de visão. Isto é apenas uma história de fadas, um lobisomem para amedrontar crianças, e provavelmente a pior maneira de influenciar mentes jovens que já foi inventada pela estupidez humana.
O Carma não trabalha absolutamente dessa forma.
Em qualquer caso, parábolas morais devem ser cuidadosamente construídas, ou podem provar que são um perigo para aqueles que as usam.
Vocês devem se recordar do apólogo da Paciência e da Paixão, por Bunyan: a malvada paixão brincou com todos os seus brinquedos e quebrou-os; a bondosa Paciência guardou os seus com todo cuidado. Bunyan se esquece de mencionar que quando a Paixão quebrou seus brinquedos, ela já crescera além deles.
O Carma não age desta forma, “olho por olho, dente por dente”, etc. Um olho por um olho é uma espécie primitiva de justiça; e a ideia de justiça, no nosso senso humano da palavra é completamente estranha à constituição do Universo.
Carma é a Lei de Causa e Efeito. Não existe proporção em suas operações. Uma vez um acidente ocorre, é possível prevermos o que poderá acontecer; e o Universo é um estupendo acidente.
Nós saímos para tomar chá mil vezes seguidas sem nenhum incidente; e na milésima primeira vez encontramos alguém que muda radicalmente o curso de nossas existências.
Existe uma espécie de senso em que toda impressão impingida sobre nossas mentes é a resultante de todas as forças do passado; nenhum incidente é tão significante que não tenha de alguma forma moldado a nossa disposição. Mas não existe nada dessa crua ideia de “retribuição” nisto.
Nós podemos matar cem mil piolhos no curso de uma breve hora ao pé do Glacial Baltoro, como Frater Perdurabo fez certa vez. Seria estúpido supor, como Teósofos desejam, que esta ação nos condena a sermos mortos por um piolho cem mil vezes.
Este livro de contas do Carma é conservado separado do Livro de lançamentos diários; e com respeito ao volume, este livro de lançamentos diários é bem maior que o livro de contas. Se comermos salmão em demasia, teremos indigestão e talvez um pesadelo. É tolo supormos que chegará um dia em que um salmão nos comerá, e ficará indisposto.
Por outro lado, nós constantemente somos terrivelmente punidos por atos que não são de forma alguma culpa nossa. Mesmo as nossas virtudes provocam a natureza insultada à vingança.
O Carma cresce do que se alimenta; e se vamos criar bem o nosso Carma, necessitamos lhe fiscalizar a dieta.
Na maioria das pessoas, seus atos cancelam uns aos outros; tão cedo algum esforço seja feito, é contrabalançado pela preguiça. Eros é substituído por Anteros.
Nem sequer um homem em cada mil escapa mesmo aparentemente dos lugares comuns da vida animal.
O nascimento é dor;
A vida é dor
Dolorosa são a velhice, a doença e a morte;
Mas ressurreição é a maior miséria.
“Oh que miséria nascer incessantemente”. Como disse Buda.
Nós capengamos de dia a dia com um pouco disto e um pouco daquilo, uns poucos bons pensamentos e uns poucos pensamentos maldosos; nada realmente é feito. Corpo e mente mudam inexoravelmente, e estão completamente mudados ao cair da noite. Mas que significado tem qualquer parte desta mudança?
Quantos podem olhara para traz, contemplar o curso dos anos, e concluir que avançaram em qualquer direção definida? Em quão pouca é aquela mudança, tal qual ela é, uma variável com inteligência e volição conscientes. O peso morto das condições originais sob as quais nós nascemos é muito maior que todo nosso esforço. As forças inconscientes são incomparavelmente maiores que aquelas das quais nós temos qualquer conhecimento. Esta é a solidez do nosso Pantáculo, o Carma de nosso planeta que nos impele, queiramos ou não, em torno do seu eixo à velocidade de mil milhas por hora. E mil é Aleph, um Aleph maiúsculo, o microcosmo do ar que vagabundeia em toda parte, “o Tolo” do Tarô, a ausência de objetivo e a fatalidade das coisas.
É, pois, muito difícil de qualquer forma construir este pesado Pantáculo.
Nós podemos gravar letras sobre ele com a Adaga; mas elas durarão pouco mais do que durou a estátua de Ozymandias, Rei dos Reis no meio do deserto sem fim.
Nós cortamos uma figura no gelo; ela é apagada em uma manhã pelos sulcos de outros patins; nem fez aquela figura mais que arranhar a superfície do gelo; e o gelo, ele mesmo, derrete-se diante do sol. Em verdade o Magista pode se desesperar quando é hora de fazer o Pantáculo. Todos possuem o material, o de um homem é tão bom quanto o de qualquer outro, ou quase; mas para que aquele Pantáculo seja de qualquer forma construído com um propósito voluntário, ou mesmo com um propósito inteligível, ou mesmo com um propósito conhecido:
Hic Opus. Hic labor est.(4) E em verdade o trabalho de subir do Averno, e escapar ao campo aberto.
A fim de fazer isto, é muito necessário que compreendamos nossas tendências, e que nos decidimos a desenvolver umas, a destruir outras. E se bem que todos os elementos no Pantáculo devem no final ser destruídos, no entanto alguns nos auxiliarão ativamente a atingir uma posição da qual esta tarefa de destruição se torna possível e não existe qualquer elemento ali que não possa ser ocasionalmente útil.
E, portanto, – cuidado. Seleciona. Seleciona. Seleciona.
Este Pantáculo é um depósito infinito; sempre haverá coisas ali quando forem necessárias. Nós devemos de vez em quando apará-las e evitar que deem traças, mas usualmente estaremos demasiado atarefados para mais que isto. Lembremo-nos de que ao viajar da terra para as estrelas não nos atrevemos a estar carregados com demasiada bagagem.
Nada que não seja uma parte necessária da máquina deve entrar em sua composição.
Agora, se bem que este Pantáculo é composto apenas de aparências, algumas aparências parecem ser mais falsas do que outras.
O universo inteiro é uma ilusão; mas é uma ilusão difícil de nos livrarmos dela. É verdadeiro comparado com a maioria das coisas. Mas noventa e nove em cada cem impressões são falsas mesmo em relação às coisas em seu próprio plano.
Tais distinções devem ser profundamente gravadas sobre a superfície do Pantáculo pela Santa Adaga.
Resta agora apenas um entre os instrumentos elementais a ser considerado, a saber, a Lâmpada.
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Traduzido por Frater Ever
(1) Latim, “o todo no pequeno”.
(2) Temos evitado lidar com o pantáculo como a Patena do Sacramento, embora as instruções especiais sobre ele são dadas em Liber Legis. É composto de metal, mel, vinho, óleo santo, e sangue.
(3) O motto do chefe a A...A..., “a Luz do Mundo em Si mesma”.
(4) Latim, “Esta é a tarefa, esta é a labuta.”