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Probacionista

ensaios dos membros - Therion

Do Juramento

A terceira operação em qualquer cerimônia mágica é o juramento ou proclamação. O Magista, armado e pronto, está de pé no centro do Círculo, e toda vez a campainha, como que para chamar a atenção do Universo. Ele então declara quem ele é, recitando sua história mágica pela proclamação dos graus que ele já alcançou, dando os sinais e palavras daqueles graus. (1)

Então ele declara o propósito da cerimônia, e prova que é necessário executá-la e ser bem sucedido em sua execução. A seguir ele jura perante o Senhor do Universo (não o particular Senhor que ele esta invocando),(2) como que para chamá-Lo a testemunhar o ato. Ele jura solenemente que ele a executará – que nada o impedirá de executá-la – que ele não abandonará a operação até que ela tenha sido executada com sucesso – e uma vez mais, ele toca a campainha.

No entanto, tendo desta forma se demonstrado ao mesmo tempo ocupando uma posição infinitamente elevada e infinitamente sem importância, como sendo, de fato, o instrumento do destino, ele deve contrabalançar isto pela Confissão, em que há novamente uma infinita exaltação harmonizada com uma infinita humildade. Ele se admite um fraco ser humano, aspirando humildemente a alguma coisa mais elevada; uma criatura de circunstâncias, completamente dependente – mesmo para o alento da vida – de uma série de acidentes afortunados. Ele faz esta confissão prostrado (3) diante do altar, em agonia e suor de sangue. Ele treme ao pensar na operação que ele ousou encetar, dizendo: “Pai, se for Tua Vontade, deixa que esta taça passe de mim! No entanto, não minha vontade, mas a Tua seja feita.”

A terrível resposta vem, que Isto Deve Ser; e esta resposta o fortifica com tal zelo santo que lhe parecerá que ele é como que levantado por mãos divinas daquele posição prostrada; com um frêmito de santa exaltação ele repete alegremente o Juramento, sentindo-se de novo não mais o mero homem, mas o Magista; e mais que apenas o Magista: a pessoa escolhida e designada para executar uma tarefa que, por mais aparentemente sem importância que seja, é no entanto uma parte integral do destino universal, de forma que se ela não fosse executada o Reino dos Céus se estilhaçaria.

Ele está agora pronto para começar invocações. Ele olha uma última vez em volta do Templo para se assegurar da perfeita disponibilidade de todas as coisas necessárias, e acende o incenso.

* * * * *

O Juramento é a fundação de todo Trabalho em Magia, pois é uma afirmação da Vontade. Um Juramento liga o Magista para sempre. Na Parte II do Livro Quatro algo já foi dito sobre este assunto; mas sua importância merece elaboração. Por exemplo, se alguém, amando uma mulher, fizer um encanto para compelir os abraços delas, e cansando-se dele um pouco após, invocar Zazel para matá-la, ele verificará que as implicações do seu Juramento prévio entram em conflito com essas próprias para invocar a Unidade da Divindade de Saturno. Zazel recusará obedecê-lo no caso da mulher que ele jurou amar. A isto alguns podem objetar que, desde que todos os atos são mágicos, todo homem que ama uma mulher assume implicitamente um Juramento de amor e, portanto, não seria jamais capaz de assassiná-la mais tarde, como ocasionalmente ocorre. A explicação é esta: é verdade que quando João Fulano deseja possuir Maria Sicrana, ele evoca um espírito da natureza de Vênus, constrangendo-o pelo seu Juramento de Amo (e pelo seu poder mágico como homem) a lhe trazer a moça. Assim também, quando ele quer matá-la, ele evoca um espírito de Marte ou Saturno, com um Juramento de ódio. Mas estes não são puros espíritos planetários, movendo-se em esferas bem definidas de acordo com leis rigidamente corretas. Eles são grosseiras concreções de impulsos confusos, “incapazes de compreender a natureza de um juramento.” Eles são de tal textura que a ideia de assassinato não é de forma alguma ofensiva ao Espírito do Amor.

É realmente o critério de grau de adiantamento espiritual que elementos em conflito não existem na mesma consciência. O cristão que condena prostitutas em públicos, mas as frequenta em segredo; o filantropo solene que contribui para “caridades”, mas explora seus fregueses e paga mal seus empregados; estes homens não devem ser condenados como canalhas propositais, que utilizam a religião e a respeitabilidade para esconderem sua vileza num deliberado disfarce sugerido pela sua astúcia criminal. Longe disto, eles são até demasiados sinceros em suas “virtudes”; seu medo da morte e da condenação sobrenatural é genuíno; vem de uma parte deles que está irreconciliável conflito com sua canalhice. Nenhuma das duas partes pode conciliar, suprimir, ou ignorar a outra; no entanto, cada parte é tão covarde que atura a presença da sua inimiga. Tais homens, portanto, são sem princípios puros; eles sempre encontram uma desculpa para todo truque sujo que lhes traz uma aparente vantagem.

O primeiro passo do Aspirante em direção ao Portal da Iniciação lhe diz que pureza – unidade de propósito – é essencial acima de tudo. “Faze o que tu queres” o golpeia, um raio de viva flama branca consumindo tudo que não é completamente Deus. Depressa ele percebe que não pode se contradizer conscientemente. Ele desenvolve um sentido sutil que o avisa quando dois cursos de pensamento, os quais ele nunca percebera relacionados um com o outro, são incompatíveis. Ainda mais fundo penetra “Faze o que tu queres”; oposições subconscientes são evocadas a aparência visível. Os santuários secretos da alma são limpos. “Faze o que tu queres” purga toda parte dele. Ele se tornou um, um apenas. Sua Vontade é consequentemente libertada da interferência de oposição interna, e ele é um Mestre de Magia. Mas por isto mesmo ele é agora completamente incapaz de conseguir o que quer que seja que não esteja de acordo com o seu Juramento Original, com a sua Verdadeira Vontade, por virtude da qual ele se encarnou como homem. Para João Fulano, amor e assassinato não são mutuamente exclusivos; mas para o Rei Artur, eles são. Quanto mais elevado o tipo de homem, mais sensitivo ele se torna; de forma que o mais nobre amor adivinha intuitivamente quando uma palavra ou gesto descuidado pode ferir; e, vigilante, os evita como sendo da família do assassinato. Na Magia, igualmente, o Adepto que está jurado a alcançar o Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião pode, nos seus dias mais grosseiros, ter sido um perito taumaturgo; e agora descobre que se tornou incapaz de tal trabalho. Ele provavelmente se intrigará, e se perguntará se perdeu todo o seu poder. No entanto a causa pode ser apenas que a Sabedoria do Anjo dele depreca a interferência de uma ignorância bem-intencionada com doenças que podem ter sido enviadas ao sofredor para algum propósito profundamente necessário ao progresso deste.

No caso do Mestre Therion, originalmente ele era capaz de todo tipo de Operações. Ele curava doentes, enfeitiçava obstinados, fascinava sedutores, punha em debanda agressivos, se fazia invisível, e em geral pintava o sete em todos os planos possíveis. Ele afligia uma vampira com um envio de gatos, e designava outra para sua bruxa privada, nem cônscio de qualquer paradoxo, nem impedido pela implícita incongruidade dos juramentos implicados em tais operações.

Mas à medida que ele avança em Adeptado, esta peraltice foi sendo tolhida; tão cedo ele assumiu Juramentos sérios e foi admitido à Ordem que nós não nomeamos, estes Juramentos o impediram de usar seus poderes como brinquedos. Operações insignificantes, que ele executara no passado com um aceno, se tornaram impossíveis a despeito de esforços repetidos. Muitos anos se passaram antes que ele compreendesse a causa disto. Mas aos poucos ele se absorveu tanto no trabalho de sua verdadeira Vontade que não mais lhe ocorreu ocupar-se com tais infantis diversões e caprichos.

No entanto, mesmo agora, se bem que ele é em verdade um Magus da A...A..., se bem que sua palavra é a Palavra do Æon, se bem que ele é a Besta 666, o Senhor da Mulher Escarlate, “em quem todo poder é dado”, ainda há certas orgias que ele não pode executar, porque executando-as ele afirmaria coisas que ele negou nesses juramentos por virtude dos quais ele é aquilo que ele é. Isto acontece mesmo quando o espírito de tais orgias está em completa harmonia com a vontade d’ele. O senso literal do seu Juramento originalmente insiste em ser respeitado.

Por exemplo: Frater Perdurabo especificamente jurou que ele renunciaria às suas posses pessoais até o último vintém; também, que ele não permitiria que qualquer afeição humana o impedisse. Estes termos foram aceitos; foi-lhe concedido infinitamente mais que ele imaginara possível a qualquer homem encarnado. Por outro lado, o preço oferecido por ele foi cobrado tão estritamente quanto se tivesse sido estipulado Shylock. Todo tesouro que ele tinha sobre a terra foi-lhe arrebatado; e isto, usualmente, de uma maneira tão brutal ou cruel que a perda material foi em si a menor parte da dor da ocasião. Toda afeição humana que ele tinha em seu coração – e aquele coração anseia por Amor como poucos corações podem conceber – foi arrancada e espezinhada com uma ingenuidade tão infernal em intensificar a tortura que a resistência d’ele é inacreditável. Inexplicáveis são as atrocidades que acompanham cada passo de sua Iniciação! A morte lhe arrebatou os filhos com lenta selvageria; as mulheres que ele amou se embebedaram ao ponto de demência e delírio diante de seus olhos, ou retribuíram sua apaixonada devoção com fria traição no momento em que longos anos de lealdade o haviam tentado a confiar nelas. Seu amigo, que estava encarregado da burra, roubou o que era posto ali, e traiu seu Mestre quanto pode. Ao primeiro distante rumor de que os fariseus estavam em marcha, seus discípulos “todos o abandonaram e fugiram”. Sua mãe o pregou à cruz com suas próprias mãos, e durante nove anos o escarneceu enquanto ele pendia ali.

Agora, tendo durado até o fim, sendo Mestre de Magia, ele tem poder para fazer sua verdadeira Vontade: que é estabelecer sobre a Terra sua Palavra, a Lei de Thelema. Ele não tem nenhuma outra Vontade que esta; de forma que tudo que ele faz é com este fim. Todas as suas orgias (4) frutificam; o que era trabalho de um mês quando ele era um completo Adeptus Major (5) é hoje executado em poucos minutos pelas Palavras da Vontade, pronunciadas com as retas vibrações na orelha preparada.

Mas nem pelo uso natural de suas habilidades (se bem que estas o tornaram conhecido no mundo inteiro), nem pela máxima força de sua Magia, é ele capaz de adquirir riqueza material além do mínimo necessário para mantê-lo vivo e trabalhando. É em vão que ele protesta que não ele, mas a Obra está necessitada de dinheiro; ele é circunscrito pela estrita letra do seu Juramento: dar tudo que ele tinha para sua consecução mágica. (6)

Ainda mais terrível é o destino que ele invocou sobre si mesmo ao renunciar ao seu direito humano de desfrutar o Amor daqueles que ele ama com a paixão tão desinteressada, tão pura, e tão intensa, em troca do poder de amar tanto a humanidade que ele fosse escolhido para pronunciar a Palavra do Æon em prol dela, sua recompensa o desprezo universal, dificuldades materiais, desespero mental e paralisia moral.

Ele, que tem o poder sobre a Morte, com um alento capaz de voltar à saúde, com um toque capaz de ressuscitar à vida, ele deve ver seu próprio filhinho definhar mês a mês, cônscio de que sua Arte não poderá intervir; ele que vendeu o anel de sinete do lucro pessoal para comprar uma modesta aliança de ouro para o dedo canalha da sua noiva, aquela viúva debochada, o Mundo!

Traduzido por Frater Ever


(1) Isto não é apenas para se provar a si mesmo uma pessoa com autoridade. É para traçar a cadeia de causas que trouxeram a posição presente, de forma que a operação é percebida como carma.

(2) N.T.: Esta frase pode confundir certos estudantes de mentalidade pouco sofisticada. Eles devem estudar a Qabalah quanto aos Nomes de Deus correspondentes às diversas Sephiroth. O Senhor do Universo, no presente Æon, é representado por Heru-ra-ha.

(3) Compare-se com as observações em um capítulo prévio. Mas este é um caso particular. Nós deixamos sua justificação como um problema para o estudante resolver.

(4) N.T.: Para edificação dos modernos fariseus, que vão quase sempre sobre o nome de cristãos, e frequentemente usam batina: a palavra orgia vem do grego e significa trabalho.

(5) N.T.: Isto é, quando ele era Adeptus Major em Geburah; pois cada Sephirah contém a Árvore da Vida em miniatura. É assim que iniciados menores frequentemente se confundem quanto a seu grau; Neófitos, por exemplo, alcançam a primeira Visão do Sagrado Anjo Guardião, em Tiphareth de Malkuth, e pensam que já são completos Adeptos Menores.

(6) N.T.: Há outro fator que deve ser considerado e compreendido. A Lei é para todos – e o Trabalho de estabelecê-La no mundo é de todos, pois cada um deve estabelecê-La em si próprio por suas próprias mãos. Somente quando espontaneamente outra estrela encarnada se decide a auxiliar a Obra de Therion é que a Lei pode ser materialmente auxiliada. Os homens tem sempre o governo que merecem, em qualquer época, em que pese aos socialistas; o progresso começa em casa, e nenhum tirano já conseguiu escravizar um homem livre. A liberdade é conquistada, nunca conferida; quando o rei outorgava o grau de cavaleiro a um peão, aquele peão havia dado provas. Enquanto isto foi regra, a cavalaria foi nobre; quando dinheiro e favor substituíram mérito, os reis foram merecidamente destronados, e os “nobres” merecidamente ridicularizados. O homem mais humilde, sendo honesto, nunca desrespeita a verdadeira nobreza; pois reconheço o eco dela em si próprio.

Enquanto num país o número de cidadãos dispostos a trabalhar pelo próximo (que é trabalhar pela pátria – que é a pátria senão o conjunto dos cidadãos?) é ínfimo, a Lei de Thelema não poderá ser divulgada largamente ali. A divulgação da Lei está na razão direta do número dos cidadãos cuja vontade é divulgá-La. Pois “a Lei é para todos”. Hoje, como sempre, “a Pátria espera que cada cidadão cumpra seu dever” – isto é, faça o que quer!

Isto não deve ser interpretado como implicando que a vontade de todo cidadão digno deve se promulgar a Lei. Poucos são chamados a esta Obra, porque poucos são suficientes. As células “inspetoras e policiadoras” num organismo são sempre uma minoria; só se multiplicam em épocas de crise.

Basta que uns poucos promulguem a Lei – os outros cidadãos ouvem e aplicam-Na. Mas a vontade de promulgar a Lei deve ser espontânea e nascer do íntimo – e enquanto a Nação, como tal, não estiver madura para a Lei, a Lei não será estabelecida na Nação.

Se o Mestre Therion pudesse ter divulgado a Lei sozinho, ele não teria sido um dos nossos; ele teria sido um Irmão Negro, indo contra as tendências e o destino dos seus semelhantes sem a mínima consideração por eles. Conosco, o fim nunca justifica os meios. Quem quer estabelecer a liberdade do mundo não pode interferir com a liberdade alheia. Portanto, está escrito: “Não discutas; não convertas; não fales demais!”

A presente publicação não teria sido possível senão fosse a vontade dos cidadãos deste país que ela fosse feita. Por vontade não queremos aqui significar preconceitos. Há quem nos combata violentamente na personalidade e, no entanto, subconscientemente nos apoia; cujos atos de hostilidade nos auxiliam. Também está escrito: “Existe sucesso.”

O trabalho é de uns poucos; mas a glória é de todos, porque “a Lei é para todos”.

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