Uma passagem da vida de 666 muito instrutiva que vale a pena ser lida. Nesse período, em 1900, ele estava escalando montanhas no México após deixar a Golden Dawn.
Keron-E
Enquanto isso a minha situação mágica estava me deixando curiosamente desconfortável. Eu estava evoluindo além de todas as minhas expectativas. Nas alturas do México, seu ar seco, com a sua energia espiritual pura e inesgotável, foi extremamente fácil conseguir bons resultados. Mas cada sucesso, de alguma forma, desencorajava-me. Estava alcançando meus objetivos mas isso, por outro lado, mostrava que eu queria, na verdade, algo completamente diferente. O que exatamente, eu não sabia. Minha angústia aumentava e, como fiz no início, pedi ajuda aos Mestres. Eles devem ter ouvido pois quinze dias depois recebi uma extensa carta de Frater V.N., embora eu não tivesse escrito para ele, veio aquilo que eu estava precisando. A carta devolveu a minha coragem e confiança. Continuei o meu trabalho através de uma compreensão profunda e verdadeira. Comecei a perceber as reais implicações do que eu estava fazendo; em particular, ganhei uma nova percepção da Cabala.
Um dos meus resultados demandou um registro detalhado pois provou-se, mais tarde, uma das fundações da Grande Obra na minha vida. A palavra Abracadabra é familiar a qualquer um. Porque aconteceu isso com ela? As explicações de Eliphas Levi deixaram-me encucado. Comecei a suspeitar que devia ser uma corrupção de alguma real "palavra de poder". Investiguei de todas as formas via a Cabala e restaurei a sua escrita correta. As análises mostraram ser, indubitavelmente, a fórmula principal da Grande Obra. Ela mostrou-me como unir o Macrocosmo e o Microcosmo. Adotei, assim, essa palavra e o seu valor numérico - 418 - como a expressão quintessential da condução verdadeira de toda grande Operação Mágica.
Essa descoberta foi uma de várias. Antes de Allan Bennett deixar o Ceilão ele me deu suas anotações sobre magia. Um delas continha o começo de um dicionário cabalístico onde várias palavras sagradas foram ordenadas de acordo com o seu valor numérico e não alfabeticamente. Deveria explicar que a idéia fundamental da Cabala é de que o universo pode ser considerado como uma elaboração numérica de 0 a 10, arranjados de uma maneira geométrica e conectado pelos 22 "caminhos". O problema é adquirir uma perfeita compreensão da natureza essencial desses números. Cada fenômeno, cada idéia, pode se relacionar a um ou mais números. Cada um é, por assim dizer, uma modificação específica da idéia original. Palavras sagradas cuja soma das letras resulta em determinado número deve conter comentários eloqüentes relativos a um desses aspectos. Desta forma o número 13 é um ensaio no número 1. A palavra "unidade" e "amor" tem como soma das letras 13. Essas idéias são, portanto, qualidades do 1. Agora 26 combina a idéia de dualidade, que é a condição de manifestação ou percepção, do tal 13; sendo também 26 o valor numérico de Jehovah. Disso vemos que Ele, como o Demiurgo, são manifestações do Um primordial.
Durante anos eu segui essa linha de trabalho fazendo adições ao núcleo de Allan além de realizar uma sistemática compilação. O resultado, publicado no The Equinox, vol.I n. VIII, é o único dicionário de Cabala que pode alegar graus elevados de perfeição. Desde a sua publicação, surgiram novas informações e eu espero revisa-la por conta disso. Mas como está, é um livro de referência essencial ao estudante. Ele nunca irá terminar; cada estudante deve criar a sua própria Cabala. As minhas idéias do número 6, por exemplo, não serão iguais as suas. A diferença entre nós, de fato, é que você percebe alguns aspectos da realidade absoluta e eu outros. Quanto maior a nossa consecução mais próximos ficam nossos pontos de vista, como os de grandes historiadores Ingleses e Franceses que terão mais idéias em comum sobre Napoleão Bonaparte do que um londrino e um caipira. Porém, haverá sempre mais em uma pessoa do que qualquer um possa imaginar.
O meu trabalho mágico ficou em segundo plano com a chegada de Eckenstein. Ele zombava abertamente de mim por gastar o meu tempo com essas coisas. Eu tímido e sensível - e ele brutalmente sincero- evitava criar oportunidades para ele continuar a criticar um assunto que eu considerava sagrado. Mas ás vezes eu tirava vantagem dessa falta de conhecimento do tema para falar com ele nos termos que eu sabia que não entenderia. Acho que me alivia a cabeça se eu jogo o meu jargão técnico em algum incauto. Como já dissera, Eckenstein e eu fizemos muitas explorações nas montanhas do México. Durante esse tempo aquela angústia mágica voltou a aumentar. Eu não podia aliviar com rituais e as substâncias utilizadas neles, ou silenciar as vozes dos demônios naquilo que eu estava fazendo. Durante as preparações para a nossa expedição em Colima eu cedi numa tarde e contei para Eckenstein dos meus problemas, como fizera muitas vezes antes, sem qualquer resultado além de insultos ou um sorriso de escárnio. Balaão não poderia ficar mais surpreso quando a sua jumenta começou a profetizar, do que eu ao final da minha explosão: Eckenstein virou-se para mim e me concedeu os piores quinze minutos da minha vida. Ele resumiu a minha situação mágica e disse que os meus problemas advinham da minha falta de capacidade em controlar os meus pensamentos. Ele disse assim: "Largue essa história de Magia, com todas essas fascinações românticas e delicias enganadoras; prometa fazer isso por um tempo e eu ensinarei a você como controlar a sua mente ". Ele falou com absoluta autoridade vinda de quem possuía um conhecimento profundo do assunto. E, como sentei e ouvi, encontrei a minha fé restrita pela força dos fatos. Maravilhei-me com aquilo, perguntava sempre que podia. Lembrei-me da Páscoa de 1898 quando eu andava por Wastdale, chorando, desesperado pedindo ao universo que mandasse alguém para me ensinar a verdade, quando tornei-me incapaz de achar qualquer pessoa que pudesse me ajudar. Porém, naquele momento, sentando e fumando na minha frente ou ás vezes atado a mim num precipício, estava o homem de que eu realmente precisava, ele e suas divinas intuições.
Concordei com a proposta em ensinar-me os princípios da concentração. Pratiquei a visualização de objetos simples e, quando conseguia mantê-los parados, passei a movê-los como um pêndulo. A primeira dificuldade foi superar a tendência do objeto mudar de tamanho, lugar, cor etc. Ao movimentá-los foi tentar impor um ritmo definido do qual ele sempre foge.
Havia também práticas nas quais eu imaginava determinados sons, cheiros, gostos e sensações táteis. Obtendo sucesso, segundo o seu ponto de vista, comecei a visualizar figuras humanas. Eckenstein me falou que elas agem diferente dos outros objetos: "Ninguém jamais as conseguiu mantê-las imóveis ". Existe uma forma de avaliar o sucesso: a imagem deve dividir-se em duas, uma menor e outra maior sobreposta. Dizem que, por este meio, pode-se analisar o caráter da pessoa em quem se está pensando. A imagem assume a forma simbólica relativa as qualidades morais e intelectuais dela.
Eu pratiquei tão assiduamente que Eckenstein me freou. Não deve-se forçar demais a mente. Sob a sua cuidadosa instrução eu obtive sucesso. Não tenho dúvidas de que esses meses de práticas puramente científicas, longe das minhas fantasias românticas, estabeleceram as bases de uma técnica mágica e mística. Eckenstein evidentemente entendia o que eu mais tarde aprenderia no Livro da Lei: "Pois vontade pura, desembaraçada de propósito, livre da ânsia de resultado é todavia perfeita".
Confessions of Aleister Crowley - Cap. 25
Traduzido por Frater Keron-E.