Eu não tinha nenhuma razão especial para viajar à Argélia aonde cheguei no dia 17 de Novembro de 1909 ev. Como meu chela escolhi Frater Omnia Vincam, um Neófito da A.·. A.·. conhecido como Victor Neuburg. Estávamos interessados apenas em andar por um canto interessante do planeta onde fôssemos apenas parasitas. Compramos provisões, pegamos um bonde para Arba e, após o almoço no sul, sem nenhuma razão além encher nossos pulmões com ar puro e renovar o êxtase em dormir no chão contemplando as estrelas serenamente acima de nós, até a chegada do Sono, beijando nossos olhos, escondendo-as de nós numa noite tão sagrada. No dia 21 chegamos a Aumale após duas noites ao ar livre e uma num lugar que fazia um tremendo esforço na tentativa em ser chamar hotel.
Não me lembro quando tive a idéia. Talvez por ter na minha mochila um dos meus últimos diários mágicos onde copiara, com paciência, o décimo - nono Chamado ou Chave recebido por Sir Edward Kelly de certos anjos e transcrito pelo astrólogo da Rainha Elizabeth John Dee. O sexto livro dessa obra mágica foi traduzido por Casaubon sendo um dos poucos trabalhos mágicos interessantes e genuínos daquele período. Muito ainda espera por explicação e por isso eu e Frater Semper Paratus, um Adeptus Major da A.·. A.·., gastamos muito tempo esclarecendo vários pontos obscuros.
O fato que legitimou a obra foi o seguinte: mais de uma centena de quadrados, cada um contendo um número, foram obtidos – de um modo que ninguém compreendeu completamente. Dee deveria ter uma ou mais dessas tábuas (num padrão de 49x49), algumas completas outras com as letras em quadrados alternados, em outra toda escrita. Kelly sentado no que chamaram de Tábua Sagrada e olhando fixamente para uma “pedra-de-visão” que, como alguns dos talismãs na tábua, pode ser encontrado no museu Britânico. Kelly teria visto um anjo na pedra que apontou com uma vareta as letras em cada um dos mapas. E escreveu: “ Ele apontou para a coluna 6, fileira 31 ” e assim sucessivamente sem mencionar as letras as quais Dee encontrou e anotou da tábua diante dele. Acho que está implícito que Kelly não sabia quais palavras seriam formadas. Caso tivesse feito poderíamos presumir que ele conhecia a posição de cada uma das 2.401 letras em cada uma das tábuas o que perece ser algo surpreendente de ser feito. Assim que o anjo terminou a mensagem foi reescrita ao contrário (foi ditado de trás para frente por ser muito perigoso fazê-lo do modo correto – cada palavra é, em sua natureza, tão poderosa que a comunicação direta evocaria forças indesejáveis naquela hora).
Essas Chaves ou Chamados sendo reescritos daquele modo seriam invocações numa linguagem que eles denominaram “Enoquiano” ou Angelical. Ela não é um jargão, possui uma gramática e sintaxes próprias. É mais sonora, majestosa e impressionante até mesmo do que a Grega ou Sânscrita e a tradução Inglesa, apesar da dificuldade de compreensão de algumas partes, possui passagens com uma sublimidade não encontradas em Shakespeare, Milton e na Bíblia. Chamar Kelly de charlatão é estupidez. Se ele inventou o Enoquiano e escreveu sua prosa soberba, era, no mínimo um Chatternon (1) com cinqüenta vezes a ingenuidade do poeta e quinhentas vezes sua genialidade poética.
“Podem as Asas do Vento compreender suas vozes de Maravilha? Ó Tu! o segundo do Primeiro! cujas chamas se formaram nas profundezas de minhas Mandíbulas!
De quem eu preparei como taças para um casamento ou como flores em suas belezas para a câmara do Virtuoso! Mais forte do que a pedra estéril são teus pés; e mais poderoso do que os múltiplos ventos são tuas vozes! Pois tu te tornas-te uma estrutura nunca vista, salvo na Mente do Todo-Poderoso.”
(Segunda Chave)
Eu prefiro julgar Kelly por isso mais do que pelo escândalo, característico a qualquer Magista quando feito por pessoas, que como tal, cheiram a enxofre. Se, por outro lado, Kelly não escreveu essas coisas ele poderia ter sido claro, um salafrário ignorante, cujas anormalidades seriam uma faculdade para enxergar ouvir coisas sublimes do mesmo modo que um assaltante ou um homem de negócios seria capaz de descrever a Catedral de São Paulo melhor do que um especialista.
Existem dezenove dessas Chaves. As primeiras duas conjuram o elemento chamado Espírito as dezesseis seguintes invocam os quatro Elementos, cada uma subdividida em quatro, a décima - nona, mudando dois nomes, pode ser utilizada para invocar qualquer um dos assim chamados trinta “Aethyrs” ou “Ares”. É difícil falar deles. Por um lado podemos dizer que são “Domínios que se estendem em vastos círculos fora e além das Torres de Vigia do Universo” e tais Torres formam um cubo de magnitude infinita. Em outra parte encontramos os nomes dos anjos que os regem que, por sua vez, estão dentro das Torres, porém (com o mais embaraçoso desencanto) eles são identificados em vários paises, Styria, Illyria, etc, como se “ar” significasse simplesmente clima. Creio que Kelly achava Dee insuportável às vezes, com sua pena, pretensão, credulidade, respeitabilidade e falta de humor. Eu entendo porque ele o deixou e divertiu-se à custa do velho destilando nonsense .
A validade dessas Chaves, tirando qualquer crítica, é garantida pelo fato de que, qualquer um com a mínima habilidade em Magia consegue fazer com que funcionem. Prove que “The Cencil” (2) foi forjado por Hogg e conclua então que ele era assim um farsante, mas não tente argumentar que Hogg, mesmo não sendo um poeta, não poderia se capaz de escrever a obra. Eu usei as Chaves muitas vezes e sempre com excelentes resultados. No México pensei ter descoberto o que os Aethyrs realmente significavam invocando-os com a décima-nona chave e enxergando pela visão espiritual definindo sua natureza pelo que via e ouvia. Investiguei as duas nos dias 14 e 17 de Novembro de 1900. “A Visão e a Voz” foi misteriosa e terrível. O que vi não era nada além das minhas experiências anteriores, mas o que ouvi era tão ininteligível para mim como Blake para um Batista. Fui encorajado pela importância dos resultados, mas não era capaz de avançar além do vigésimo - oitavo Aethyr sabendo que estaria caindo num precipício. Aceitei a impossibilidade, mas enquanto as lembranças do ocorrido se esvaiam, resolvi guardar o diário da experiência. Não dei prosseguimento ao trabalho durante nove anos, porém, em Aumale tive um lampejo em meu coração e soube que naquele momento deveria obter “A Visão e a Voz”, começando da onde parei.
Compramos alguns cadernos e, após o jantar, invoquei o vigésimo - oitavo Aethyr pela Chave do décimo - nono. Quando comparamos esse com os dois anteriores vimos que guardava semelhanças de tema e estilo. Assim foi com o vigésimo - sétimo e até o vigésimo - quarto havendo um avanço contínuo na coerência. O tema se mostrava solenemente progressivo e sublime além de possuir uma tendência em se encaixar nas concepções do cosmos, naquelas leis místicas da natureza e idéias de transcendentais verdades as quais já vira no Livro da Lei e nos mais exaltados dos meus transes.
A minha individualidade não influenciou o caráter da visão, pois a interpretação da minha Obra Argelina deixou claro o significado dos outrora obscuros oráculos obtidos no México. Tornou-se evidente que interrompi o trabalho em 1900 por meu Grau não me capacitar ir além. Eu disse que apenas um Magister Templi poderia passar de um certo ponto. Claro que qualquer um pode usar a Chave de qualquer Aethyr que desejar, mas não terá uma visão completa além de se decepcionar e, provavelmente, correr riscos mortais.
“Deus nunca deu as costas ao homem e nunca o enviou para novos caminhos salvo quando ascende a divinas especulações ou trabalha numa confusa ou desordenada maneira e quando se junta à lábios profanos ou pés imundos. Pois para os relaxados, o progresso é imperfeito, os impulsos vãos e os caminhos negros.”
(Zoroastro)
Eu solenemente avisara ao mundo que, enquanto a coragem é a primeira das virtudes do Magista, presunção e imprudência não possuem conexão com ela, mais do que uma caricatura do ex-Kaiser com Julius Cæsar. São compostas em parte pelo falso orgulho vindo do amor próprio e da insegurança, parte pelo impulso desmedido que o medo extremo provoca. Existem VCs (3) que ganharam a cruz não por “valor” mas pela pura falta de auto-controle numa crise de covardia. Disciplina automática faz com que a deserção seja impossível; a única saída é avançar e fazer aquilo que o instinto manda. Eu conheço dois VC que não se lembram do ato que os fizeram ganhar a cruz.
Pensamento similar freqüentemente faz com que jovens Magistas esqueçam que o ousar deve ser precedido pela vontade e conhecimento, todos os três regidos pelo silêncio. Este último significa várias coisas, porém a maioria delas guarda relação com controlar-se fazendo com que cada ato seja silencioso, toda perturbação significando desajeitamento ou ânsia. O soldado pode ou não conseguir carregar o seu companheiro ferido em meio a um bombardeio, porém não existe sorte em Magia. Nós trabalhamos num mundo fluido onde cada ação é compensada imediatamente. Luz, som e eletricidade podem ser usados e assim os efeitos sobre pensamento, fala e ação redirecionar ou retardar qualquer movimento, mas Magia, como a força da gravidade, não conhece obstáculos. É verdade que se pode impedir a queda de uma flor mantendo-a em cima de uma mesa; mas as forças ainda estão agindo e a ação foi compensada pela redistribuição do stress em cada objeto por todo o universo pelo deslocamento do centro de gravidade do cosmos, do mesmo modo que meus músculos vão de um estado de equilíbrio para outro, a flor manifesta suas energias no mogno em vez de fazê-lo no carpete.
A presunção em Magia sem dúvida é punida, pronta e merecidamente. O erro é um dos piores, pois atrai todas essas forças que, por serem destrutivas em magia, tornam-se negativas pela dor e encontram seu principal consolo em tira-las de dentro dos desavisados. Pior ainda, a expansão histérica do ego leva a um profundo afastamento da verdade. Favorece obsessões demoníacas. Eles inflam o orgulho do tolo; eles lisonjeiam cada fraqueza levando-o a atos dos mais ridículos, induzindo-o a falar as mais delirantes bobagens e fazendo se achar o maior dos homens – homem não, um deus. Ele toma cada fiasco como sucesso, cada insignificância como um sinal de sua sacrossanta soberania ou da malícia do inferno cujas ações o martirizam. Sua megalomania oscila da exaltação maníaca a melancolia como ilusões sobre perseguições.
Já vi vários casos assim ocorrerem por erros triviais como falta de cuidado em consagrar o Círculo para uma evocação de um espírito inferior; assumir um Grau na Ordem sem ter a certeza do sucesso nas provações do caminho; instruir um Probacionista sem ter passado a Neófito; omitir pontos importantes de rituais achando serem formalidades incômodas; e até fazer apologia a erros pelos quais um homem se convence de que suas falhas são punições causadas pelo excesso de méritos próprios.
Eu me lembro de um homem que atribuiu suas falhas em realizar Asana corretamente a sua excepcional energia física. Seu corpo, dizia ele, possuía tamanha força interna que ele tinha que se mexer – mesmo sendo algo característico do ser humano comum tentar ficar desse modo, para ele era algo que não tinha nada haver com a sua natureza. Cinco anos mais tarde ele me disse que se tornou o homem mais forte do planeta e pediu para que eu descarregasse meu revolver no seu peito e não me importasse em ter minhas janelas destruidas pelo ricochetear das balas. Eu resolvi poupar minhas janelas e, além disso, odiaria ter que limpar a minha arma. Ele então se ofereceu para vê-lo carregar um motor de carro nos ombros e acompanhá-lo na estrada. Disse que não queria e não o insultaria pedindo provas do que afirmava. Ele então foi embora, cheio de si e resmungando. Um mês depois soube que ele sofreu uma paralisia devido a insanidade. O homem que se gabava do esplendor de sua força agora não podia mover um músculo. O homem que se ostentava agora nem falava; ele apenas urrava.
Casos assim que me mantiveram numa constante vigília contra o “muito orgulhoso em lutar” – ou varrer o chão, caso necessário fosse. O meu Grau de Magus da A.·. A.·. , minha tarefa como logos do Æon, o Profeta escolhido para proclamar a Lei a qual determinará o destino deste planeta durante certo período, colocou-me num grupo de apenas sete outros nomes ao longo de toda a história da humanidade. Nenhuma consecução pessoal poderia ocorrer neste estágio. Existem incontáveis iniciados, especialmente na Ásia, que alcançaram o sucesso espiritual. Eu teria ensandecido pela satisfação das minhas maiores aspirações, as quais me garantiam uma superlatividade além da imaginação, caso não possuísse “senso de humor e também bom senso”.
Eu nunca me deixei esquecer das rochas que me atrapalharam: o Coolin Crack em Beachy Head (maldito seja!) o a altura do Pilar Deep Ghyll (horrível!) a face leste do Dent Blanche (exploda-se!). Eu raramente me pavoneio, até mesmo as minhas poesias, a menos que esteja muito deprimido. Prefiro tagarelar sobre minha ignorância num assunto – uma lista extensa, e sobre a superficialidade de meu conhecimento do pouco que sei fazer. Eu medito em minhas falhas da conduta que ocorrem com a humanidade, minha inocência em muitas características óbvias que ela possui. Minha simplicidade é tamanha que, frequentemente, eu me pego pensando se eu não entendi determinado assunto realmente. Assuntos nos quais outros compreendem com muito menos esforços do que os meus.
Eu pareço para aqueles que me conhecem um tipo excepcional de gênio, muito educado, inteligente, intuitivo, com toda a experiência do mundo, tirando o comércio, fora do comum, além de toda a alegria. Um dos mais distintos homens na ciência e matemática (4) disse-me ano passado que eu era mais corajoso do que qualquer outro que ele já havia encontrado (ele foi um dos sete sobreviventes, dos cinqüenta homens que foram a Sérvia e pegaram tifo). Disse-me que a minha mente possuía o maior poder analítico e perspicácia de todas que conhecera (ele esteve intimamente ligado a Einstein e ambos passavam horas discutindo sobre trabalhos e as equações do alemão). Eu poderia me olhar e cair em auto-admiração se não estivesse usando meias amarelas e jarreteiras cruzadas!
Eu me considero digno de figurar como um covarde no Museu de pelo menos uma das cidades mais provincianas do meu país. Que tipo de coragem eu possuo vindo de alguém que sente vergonha em ser tão tímido e sensível. Tem horas em que não consigo encarar um simples comerciante em seu trabalho rotineiro. Eu já temi manter uma relação séria com uma garota por dois motivos: quando a quis mal e quando estava sem dinheiro temendo ser ridicularizado e insultá-la pela minha incapacidade em fazê-la me enxergar como o homem ideal. Eu dei as costas a uma escalada que eu sabia poder realizar com uma mão nas costas. Eu me afastei, com apologética afabilidade, de um gordo, um vigia intimidador que eu poderia (e deveria) ter repreendido com um gancho. Eu já fiquei faminto em frente a um restaurante por temer que pudesse de alguma forma, fazer os fregueses caírem no riso ao entrar. De fato eu temo tudo aquilo que é característico dos acanhados, sentimentais, escravos que se deixam prender pelas grossas coleiras e braçadeiras de linho nas salas de escritório realizando trabalhos mentais monótonos, conversando futilidades e também terminar meus dias num reformatório ou asilo.
E novamente digo: eu pareço capaz de fazer, sem qualquer excitação ou medo, coisas que até o mais bravo e mais poderoso e livre dos homens acharia terríveis, coisas as quais nem sonhariam em fazer ou temeriam mais do que a morte.
Esta digressão foi necessária, pois se relaciona com a minha iniciação na Argélia. Agora eu posso resumir o ocorrido. Obtive a “A Visão e a Voz” da seguinte maneira: tinha comigo um grande topázio dourado (colocado numa cruz de Calvário de seis quadrados, em madeira, pintada em vermelho) entalhado numa cruz Grega de cinco quadrados em uma Rosa de quarenta e nove pétalas. Eu segurei nas mãos. Após um local onde não fosse perturbado, peguei a pedra e recitei a Chave Enoquiana e, após me satisfazer que as forças tivessem sido realmente invocadas, fiz o topázio realizar um ato diferente daquele feito com o espelho por Alice. (5)
Não tinha problemas em viajar com o meu corpo astral por qualquer lugar que desejasse. Percebi que o espaço não era uma coisa em si, tipo uma categoria satisfatória (de muitas) pela qual distinguimos os objetos um do outro. Quando digo que estava em determinado Æthyr, entenda no estado e peculiaridade relativos a ele. Meus sentidos recebiam e gravavam as impressões tornando-me assim consciente do fenômeno daqueles mundos, assim como o ser humano comum faz com a nossa realidade. Eu descrevia minhas visões ditando-as para Frater. O.V. que as anotava além de permanecer atento a qualquer fenômeno relevante (Em tempo: às vezes eu ficava tão imerso no transe que minutos passavam entre uma frase e outra).
Tais observações podem ser consideradas pura imaginação, mas sabendo que todo conhecimento é igualmente ilusão, o ato de pensar não seria restritivo. Existem diferentes graus de embustes e métodos críticos os quais são válidos dentro de suas próprias características. Assim nós confiamos em nossa experiência de perspectiva correta, o estado puro de nossa visão de que a casa mais distante numa rua é menor em vários sentidos. Pode-se também verificar nossas visões de vários modos. Deve-se ser coerente e não negar as conclusões de outras experiências similares. Antes que se possa admitir a existência de algum valor nelas, deve-se agir como se tentasse nos convencer de que o nosso interlocutor seria outro diferente de nós e suas informações verificadas como se não as tivéssemos recebido de outro modo. Talvez se pense que tais condições não possam ser satisfeitas, porém as visões possuem várias evidências internas que podem ajudar a verificar suas autenticidades. Um exemplo: o Anjo do vigésimo - sétimo Æthyr disse: “ A palavra do Æon é MAKHASHANAH ”. Na hora não a creditei nele, pois sabia que a palavra era ABRAHADABRA. Recorrendo a Santa Cabala ela mostrou-me que as duas palavras possuem o mesmo valor, 418. O aparente erro foi uma prova inquestionável de que o Anjo estava certo. Tivesse ele me dito ABRAHADABRA eu não teria pensado nada disso achando que a minha própria mente colocou as palavras na minha boca.
Deixe-me ilustrar a força desta prova por uma analogia: suponha que tenha recebido um telegrama assinado Jobson (meu advogado). “ Sua casa pegou fogo ”. Se eu já tivesse conhecimento do fato via o meu zelador, Jobson estaria apenas confirmando um fato conhecido o qual ele e outros já poderiam estar cientes. O telegrama seria esquecido. Da mesma maneira, seu não tivesse obtido a informação de outra fonte, ou pelo contrario, se tivesse ouvido que tudo estava bem, o telegrama não me traria certeza. Mas, se tal duvida confirmasse o telegrama, a probabilidade de que Jobson tivesse enviado aumentaria, mesmo não tendo muita certeza, a certeza da veracidade da mensagem seria apenas presunção.
Suponha, porém, que eu tivesse lido “ Londres está pegando fogo. Jobson ”. O enunciado é incrível. Jobson e Eu, porém, temos um segredo relativo a mensagem onde qualquer nome próprio em nossas comunicações será lido por um código tipo a=1, b=2 etc, assim dando um número cujo significado está ligado a um padrão só nosso. Ele não usou a palavra “Londres” antes. Eu adicionei referindo ao código e entendi que Londres significava a minha casa. Agora, se eu já tivesse lido o jornal ou não, e até se a investigação provasse a informação ser falsa, eu poderia, ao menos estar certo que nesse ponto seu conhecimento excedia o meu.
Suponha, então, que o telegrama informasse-me um número no qual eu não tivesse meios imediatos para verificar. Assumiria sua autenticidade medindo via minha confiança na integridade e habilidade do Jacob. Esse é um dos mais simples métodos de avaliar informações vindas de visões. Um caso isolado não convence completamente e seria ridículo argumentar via um único teste, que todas as comunicações vindo de uma mesma fonte devem ser genuínas e confiáveis. Isso é um efeito acumulativo de testes repetidos num período de anos que dá segurança. Casualmente alguém consegue pela experiência adquirir a capacidade de conhecimento instintivo, saber se determinado sinal ou som é genuíno; do mesmo modo que se aprende a reconhecer o estilo de algum artista onde nem mesmo a melhor falsificação obtém sucesso. É difícil colocar em palavras o que faz algo desse nível ser suspeito.
Agora, o Livro da Lei garante por si só, numa teia de evidencias internas inegáveis, provas Cabalísticas e matemáticas e outras ligadas a eventos futuros, além do poder de previsão ou criação humana, que é único. Os trinta Æthyrs tem importância secundária em relação a Liber Al e os Senhores da Visão se esforçaram para suprir evidencias internas suficientes, de que as revelações lá contidas pudessem ser tratadas como confiáveis. Sem dúvida as provas parecem mais fortes a mim do que a qualquer outro, pois eu sozinho sabia exatamente o que estava acontecendo; também por conta de muitas passagens que se referiam aos assuntos pessoais. Assim, um homem pode provar a grandeza de Shelley apenas como a sente dentro de si, desde que sua certeza dependa parcialmente da incomunicável relação do poeta com sua própria característica individual. Admito que minhas visões não possam significar aos outros o mesmo que significaram para mim. Não lamento esse fato. Tudo o que eu peço é que os meus resultados convençam os buscadores da verdade de que existe algo realmente digno de ser alcançado, podendo usar métodos mais ou menos parecidos com os meus. Eu não quero liderar rebanhos, ser objeto de admiração de tolos e fanáticos ou o fundador de uma fé cujos seguidores são ecos de minhas opiniões. Eu quero que cada homem abra o seu próprio caminho mata à dentro.
Nós caminhamos até Bou Saâda invocando os Æthyrs um por um, nas horas e locais apropriados ou quando o espírito me impelia. Via de regra conseguíamos um Æthyr por dia. Chegamos a Bou Saâda no dia 30 de Novembro e no dia 8 de Dezembro começamos atravessar o deserto de Biskra aonde chegamos no dia 16, encerrando a obra no dia 19. Nossas aventuras seriam contadas depois.
Chegando eu Bou Saâd invoquei o vigésimo Æthyr e comecei a compreender que as visões eram, por assim dizer, universais. Elas colocaram todas as doutrinas mágicas em harmoniosa relação. O simbolismo dos cultos Asiáticos, os conceitos das Cabalas Judaica e Grega, os mistérios gnósticos, o panteão pagão de Mitra a Marte, os mistérios do Egito antigo, as iniciações de Eleusis, a saga Escandinava, rituais Célticos e Druídicos, as tradições Mexicanas e Polinésias, o misticismo de Molinos não menos do que os do Islã, todos em seus respectivos lugares sem apresentar a menor tendência de conflito. Todo o Æon passado foi mostrado em perspectiva e cada parte sendo derrubada por Hórus, a Criança Coroada e Conquistadora, o Senhor do Æon anunciado no Livro da Lei. Essas visões foram cristalizadas numa forma dramática de conclusões teóricas as quais meus estudos de religião comparada tem me ajudado a descrever.
A complexidade do vasto assunto resolveu-se numa simplicidade brilhante. Eu realmente vi e ouvi a verdade em termos de Tempo. Eu compreendi que a fórmula de Osíris assumiu todo tipo de formas, aparentemente incompatíveis, como se fosse aplicada a diferentes condições raciais. Clima e condições parecidas. Também aprendi que Hórus tem o poder para reconciliar todas as religiões e fazer com que todos os países concordem em alguns princípios fundamentais. A ciência favoreceu pré-conceitos. A fé era pouco mais do que um enigma sem esclarecimento sem favorecer a alguma atitude relevante.
Eu vi meu caminho se juntar a alguns princípios científicos incontestáveis para a Lei permitindo as mais sublimes aspirações encontrar satisfação nas esferas espirituais, os instintos religiosos realizarem suas elevações através do ritual e assistir o pensamento cientifico entender que, até mesmo o mais material dos conceitos do cosmos era, no final das contas, místico. Também que mente é uma função da matéria, ainda que a matéria possa ser igualmente considerada uma manifestação da mente. A seqüência mostrará como eu consegui fazer essa aventura ambiciosa.
Além disso, eu tornei-me consciente de que esse Trabalho seria mais do que a exploração impessoal que planejara realizar no início, senti uma mão segurando o meu coração, uma voz sussurrando palavras numa língua estranha cujo sotaque era terrível além de parecerem encantamentos cercando minha essência com uma energia poderosa, apta para trabalhar em minha vontade em direção a alguma senda enigmática. Comecei a sentir algo... bem, não exatamente medo; era um tremelique semelhante ao de uma donzela perante o noivo. A minha empolgação aumentava a cada visão e cada uma tornava-se mais forte e profunda à medida que avançava. Eu estava protegido pelas práticas mágicas. Duas ou três vezes eu encontrei dificuldade em adentrar o Æthyr e tais barreiras não podiam ser superadas pelo profano, assim entendera. Isso me fez temer pela impossibilidade de contemplar os mistérios vindouros. Então me consagrei recitando o seguinte trecho do Corão:
Qol: hua allahu achad: alahu assmad: lam yalid:
walam yulad: ya lam yakun lahu kufwan achad , (6)
mil e uma vezes por dia durante a marcha, prostrando-me a cada repetição. O esforço físico desse exercício debaixo de um sol forte era por demais severo à medida que eu marchava milha após milha pelo empoeirado, pedregoso, radiante trecho de solidão, mas a exaustão de meu corpo e a dor da minha mente rebelde submetendo-se ao mantra, preparavam-me para o momento da invocação do Æthyr. A minha composição espiritual nada temia da mente a qual eu açoitava com a tediosa tarefa.
No décimo - nono Æthyr apareceu um Anjo que fora designado a guiar-me através da iniciação. Na hora eu não entendi dessa forma. Eu não poderia imaginar que o meu progresso pessoal poderia ter alguma ligação com o que eu ainda supunha ser um fenômeno puramente objetivo, mas no décimo – oitavo, o Anjo preparou-me cerimonialmente para o ritual. No décimo - sétimo todo o significado mágico do equilíbrio fez-se claro para mim. “Movimento sobre um ponto é injustiça”. Eu entendi que cada perturbação (que faz a manifestação possível) implica em desvio da perfeição. Por essa razão que a minha individualidade (que me distingue dos outros seres) envolve a idéia de justiça. Então chegar além do Abismo era a injustiça que não poderia existir a minha individualidade ser aniquilada. O décimo - sexto Æthyr mostrou-me como isso poderia ser feito. O meu ser deveria ser dissolvido no infinito. Isso foi simbolizado pela destruição do Demiurgo, o criador da diversividade. Após a sua destruição eu vi uma imagem do meu verdadeiro ser desaparecendo, absorvido pela virgem. Dei-me conta que o clímax do meu amor pelo infinito aconteceu nessa passagem.
No décimo - quinto a visão definitivamente tomou forma como uma cerimônia de iniciação. Fui examinado por uma assembléia de adeptos e meu direito reconhecido aos Graus da Segunda Ordem. Fui então intitulado ao Grau de Bebê do Abismo e Mestre do Templo. Eles continuaram os exames e recusaram-se a me aceitar como um Magus. Instruíram-me então em vários assuntos e fizeram-me certas preparações para a visão seguinte. Na tarde de 3 de Dezembro invoquei o décimo - quarto Æthyr. Lá havia um véu tão negro e espesso que não conseguia passar. Rasguei camada após camada com esforço desesperado, enquanto que em meus ouvidos ressoava uma voz solene. Falou-me como se viesse de um morto. E eu prosseguia lutando com as trevas. Então começou um terremoto. O véu se rasgou em milhares de pedaços que se foram rodopiando pelo Ar. E surgiu um glorioso Anjo na minha frente fazendo o sinal de Apofis e Tifão. Em sua fronte havia uma estrela e, ao redor, escuridão e o rugido de bestas com luzes se movendo pelas trevas. E o Anjo disse: “ Afasta-te! Pois deves invocar-me apenas nas trevas. Nelas, eu aparecerei e revelarei a ti o Mistério de UTA. Por ser grande e terrível esse Mistério não será revelado na luz do sol ”.
Devo salientar que nós escalamos Da'leh Addin, uma montanha no deserto, como requerido pelo Anjo na noite anterior. Então fechei o Æthyr e preparei-me para voltar à cidade. De repente veio a ordem para realizar uma cerimônia mágica no cume. Nós, cuidadosamente, pegamos algumas pedras e fizemos um grande círculo e nele escrevemos as palavras de poder, erguemos um altar no meio e nele eu me sacrifiquei. Cada partícula da minha personalidade foi consumida pelo calor dos raios do sol. Fui obrigado a escrever com hieróglifos, pois o assunto estava relacionado a coisas as quais não tinha permissão para revelar sob ameaça de severas punições, porém, posso dizer que a essência da questão era que eu, até o momento, tomara certas atitudes às quais, enquanto perfeitamente apropriadas do ponto de vista da minha natureza humana, era impertinentes à iniciação. Eu não poderia atravessar o Abismo até que as tivesse arrancado do meu coração. Não lembro nada do meu retorno a Bou Saâda. Havia um animal no deserto, mas não era eu. Todas as coisas se igualaram; todas as impressões tornaram-se indistinguíveis. Eu apenas me recordo de estar na cama como se chegasse de alguma catástrofe a qual nublou minha memória. Quando voltei a mim, senti que havia mudado.
Eu sabia quem eu era e lembrava do meu passado; porém não me sentia mais o centro dele ou o ponto pelo qual media o universo. Foi uma repetição da minha experiência em 1905, porém atualizada. Eu não admitia a não existência e que todas as minhas idéias eram ilusões, idiotices e insanidade. Eu via esses fatos como fatos apenas. Era a diferença entre conhecimento e experiência. Parecia incrível que alguma vez fantasiara que eu ou alguma qualquer tínhamos alguma influência recíproca. Todas as coisas eram sombras cobrindo a tranqüila superfície de um lago – suas imagens não tinham significado algum para a água, sem poder algum para perturbar seu estado. Depois de dez minutos retornei ao Æthyr. Estava embotado pelas trevas. O meu Anjo sussurrou as palavras secretas por onde partilhou os Mistérios dos Mestres do Templo. Na mesma hora meus olhos contemplaram (o que primeiro pareciam rochas) os Mestres, velados em majestade imóveis, imersos no silêncio. Cada um era exatamente igual ao outro. Quando o Anjo me fez compreender para onde minha aspiração levou-me, todas as forças, todos os êxtases terminaram ali – eu compreendi. Ele então me disse que agora meu nome era Nemo, sentando entre as outras formas silenciosas na Cidade das Pirâmides sob a Noite de Pan; e aquelas outras partes minhas que eu deixei abaixo do Abismo deveriam servir como um veículo para as energias, frutos do meu ato. Minha mente e meu corpo, desprovidos do ego, que até então serviam, estavam agora livres para se manifestar de acordo com suas naturezas no mundo para devotarem-se a auxiliar a humanidade na sua evolução. No meu caso fui rebatido na Esfera de Júpiter. A minha parte mortal auxiliaria a humanidade via o trabalho Jupteriano, como governar, ensinar, criar, levar os homens a aspirar à nobreza, o sagrado, dignidade, realeza, a amizade e mais o dadivoso.
Finalmente: “ Cinqüenta são os portais da compreensão e cento e seis são as suas estações. E o nome de cada estação é Morte ”. Por isso em compreendi que Aleister Crowley morreria ao final daquele período. O evento estava relacionado com a minha consecução ao Grau de Magus que ocorreria no momento já dito.
O décimo - terceiro Æthyr explicou o trabalho de um Mestre do Templo. Ele está escondido sob a terra e cuida do seu jardim. Esses jardins são de muitos tipos mas em todos os casos ele trata das raízes das flores de várias maneiras. Cada flor pari uma donzela, menos uma, a geradora um menino que será Nemo após ele. Nemo não deve tentar saber que flor é essa. Ele deve cuidar de seu jardim com absoluta imparcialidade.
O décimo - segundo descreve a Cidade das Pirâmides cuja rainha é chamada BABALON, a Mulher Escarlate que trás nas mãos a taça cheia do sangue dos santos. Seu êxtase é alimentado pelos desejos os quais os Mestres do Templo verteram de seus corações por ela. Estão contidos nesse simbolismo muitos mistérios ocultos. Um deles é que se, uma gota de sangue permanecer na taça, putrefará o ser abaixo do Abismo invalidando todo o curso da carreira do adepto.
No décimo - primeiro Æthyr foi mostrado a fortaleza na fronteira do Abismo com seus guerreiros protegendo-a. Pensei que meu ordálio acabara. Mas estava errado! Deparei-me, subitamente, com o fato de que eu tinha que atravessar o Abismo conscientemente, compreendendo sua natureza, pois quando eu atravessara antes não tinha poder para perceber isso. Eu nada mais sabia além disso – um conceito negativo - que seu poder reduziu-me a pó. Então pronto para atravessá-lo conscientemente eu perguntei ao meu Anjo: “'Existe alguém pronto a guiar-me?” ' Refiro-me ao meu Sagrado Anjo Guardião, daquele cujo Conhecimento e Conversação eu abandonei. A resposta: “ Eloi, Eloi, lama sabacthani ” (“Senhor, Senhor, porque me abandonaste?”) Eu soube, então, que até o meu mais sagrado, mais íntimo EU, não poderia proteger-me das abominações do Abismo".
Nós então alteramos o nosso procedimento mágico. Fomos para longe da cidade num pequeno vale entre as dunas. Fizemos um círculo para proteger o escriba e um triângulo onde o Abismo pudesse se manifestar de maneira perceptível. Sacrificamos três pombos, um para cada Vértice onde o sangue seria o insumo para qual as forças do mal pudessem construir suas formas.
O nome do Habitante do Abismo é Choronzon, mas ele não um ser realmente. No Abismo não existe um ser definido, ele contém todas as formas possíveis, todas igualmente vazias, cada mal no verdadeiro sentido da palavra – ininteligível, porém maléfico desejando intensamente ser real. Essas formas serpenteiam aleatoriamente num monte de poeira e cada um tentando se agregar afirmando ser um individuo gritando “ Eu sou Eu ” apesar de ciente todo o tempo de que suas partes não estão verdadeiramente unidas; o menor distúrbio dissipa a ilusão como um cavaleiro chutando um monte de areia espalhando-o pelo chão.
Choronzon apareceu para mim na forma de Ominia Vincam enquanto estava tirando o robe, com o capuz cobrindo minha face. Ele assumiu a minha forma, de uma mulher que Neuburg amou, de uma serpente com cabeça humana. Ele não poderia proclamar a palavra do Abismo, porque não existe palavra; sua voz é o insano clamor de uma miríade de ejaculações não-concluidas, ainda que cada forma agisse como se estivesse obedecendo a um sentido. Seu principal objetivo era tirar O.V. do círculo mágico ou destruí-lo dentro tanto quanto domina-lo. Várias vezes, O.V. quase foi debelado, só que, uma vez, Choronzon fez um discurso muito longo para mantê-lo ocupado escrevendo, afim de não notar que a areia estava sendo tirada do Triângulo, o que obliteraria o círculo. A torrente de obscenidades e blasfêmias foi tão grande que manter a concentração foi impossível. Tornou-se então, uma série de choros e, talvez tirando a idéia da mente de O.V., o demônio começou a recitar Tom o`Bedlam.
Havia agora, uma brecha no Círculo e Choronzon, na forma de um selvagem nu, atacou O.V. Ele então o derrubou, e tentou rasgar sua garganta com os dentes. O.V. invocou os nomes de Deus e atacou Choronzon com sua Adaga Mágica. Intimidado com tal atitude, retornou ao Triângulo. O.V. reparou o círculo. Chronzon então retomou sua ira, mas não poderia continuar por muito tempo. Transformou-se novamente na mulher que O.V. amou e tentou seduzi-lo. O.V. usou suas armas mágicas, e o dialogo seguiu outra linha. Ele tentou por em dúvida a fé que Neuburg tinha em si mesmo, em mim e em Magia. Ao final, a energia latente dos sangues dos pombos, foi exaurida pelos sucessivos fantasmas e não fora mais capaz de manifestar as forças invocadas. O Triângulo estava vazio.
Durante todo o tempo, eu me identifiquei astralmente com Choronzon, pois senti cada angústia, raiva desespero, insanidade. Minha ordália terminou como a última forma ao desaparecer; sabendo que tudo havia acabado, eu escrevi o nome de BABALON na areia com meu anel mágico, e sai de meu transe. Nós purificamos o local com fogo e destruímos o Círculo e o Triângulo. O trabalho que durara duas horas nos deixou esgotados fisicamente e em todas as outras formas. Não sabia como voltaríamos a Bou Saâda .
Não me senti recuperado o suficiente para invocar o nono Æthyr até a tarde do dia seguinte. Uma surpresa estava a minha espera: a décima - nona Chave continha o texto da maldição original na criação. Cada frase formulava alguma calamidade. Eu estremeci horrorizado como se a tivesse recitado. Porém o Abismo sendo atravessado e todo o horror encarado e dominado, as palavras da Chave subitamente passaram a refletir um significado que eu nunca suspeitara. Cada maldição escondia uma bênção. Eu compreendi que o sofrimento não tinha substancia; que apenas a minha ignorância e necessidade de inteligência fizeram-me imaginar a existência do mal. Tão logo eu destruí minha personalidade, expelindo o meu ego, o universo que até então era um força fatal e terrível, acompanhado de toda forma de medo, passou a ser apenas uma relação com a idéia “Eu”; tanto quanto “eu sou eu”, hostil a tudo. Agora que não havia mais qualquer “eu” a sofrer, todas essas idéias impostas sobre sofrimento tornaram-se inofensivas. Poderia agora enaltecer a perfeição das partes, além de maravilhar-me admirando o todo.
Essa consecução alterou radicalmente o meu ponto de vista. É claro que, de uma vez, eu não entrei em pleno gozo. O hábito de confundir tudo tinha que ser quebrado. Eu tinha que explorar cada possibilidade e transmutar cada base de metal em ouro. No passado eu tinha o hábito de me apaixonar por tudo que aparecia no meu caminho.
O nono Æthyr mostrou essa transformação de maneira simbólica. O universo foi representado como uma inocente donzela adornada com toda perfeição.
Os Æthyrs restantes completaram parcialmente a experiência relativa ao Grau o qual eu obtivera e parcialmente esboçou, em maneiras obscuras, os mistérios dos Graus mais elevados ou particularmente ocultando-os. À medida que avançava, tornava-se mais e mais difícil conseguir uma visão. O segundo Æthyr, por exemplo: começou na manhã de 18 de Dezembro e teve que ser interrompido e a invocação repetida. Novamente achei a tensão insuportável tendo que interromper e me dirigir às termas de Hamman Salahin e continuando só que imerso até o pescoço na enxofre quente. A água, de alguma forma, acalmou meus nervos capacitando-me a atravessar o Æthyr sem nenhum colapso nervoso. Só prossegui após dois dias me consagrando para continuar o trabalho.Confessions of Aleister Crowley (relativo ao Liber 418)
Tradução: Frater Keron-E
Comentários:
1 - Thomas Chatternon, um jovem poeta inglês, tido como gênio que se suicidou aos 17 anos.
2 - Hoggs era amigo e biógrafo de Percy Bysshe Shelley . The Cencil não possui o estilo de Shelley mas foi creditado a ele.
3 – Victoria Cross, uma condecoração inglesa.
4 – J.W.N. Sullivam, amigo de Crowley.
5 – Alice no Páis das Maravilhas.
6 –
“ Dize: Ele é Deus, o Único!
Deus! O Absoluto!
Jamais gerou ou foi gerado!
E ninguém é comparável a Ele! ”