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Carta a um Maçom x Zeitgeist, o Filme


"Embora adorado por Nomes Divinos, Jesus e Javé, serás sempre Filho da Manhã, ao fim da Noite exausta, Sonho de Viajante perdido!"

William Blake - "Portões do Paraíso"

93!

Ano que vem Carta a um Maçom fará cinqüenta anos da sua escritura. No meio thelêmico é um trabalho conhecido que trata de um assunto intrigante: o Jesus Cristo histórico. É uma figura de relevância em nossa cultura gostem alguns ou não sendo utilizada para os mais diversos fins levando a conseqüências negativas ao mesmo tempo que muitos confundem um símbolo com aqueles que o utilizam. Marcelo Motta a escreveu para um maçom visando mostrar o processo que levou a formação da figura religiosa mais influente no ocidente e de como a Maçonaria poderia enxergar melhor o fenômeno e suas conseqüências sociais.

Em 2007 foi lançado na internet um filme chamado Zeitgeist cuja temática assemelhava-se ao texto de Motta mas abordando outros pontos. Foi um sucesso e até hoje repercute no meio "esotérico" influenciando a opinião de diversas pessoas. A parte analisada aqui é a primeira "A Maior História já Contada" sendo o restante ignorado por fugir da temática.

Frente a um crescente debate sobre religião e estado, a divulgação da Lei de Thelema, expansão dos cultos cristãos achei de valia comparar ambos ao mesmo tempo contribuir com informações atualizadas sobre um assunto que sempre resvalará nos que enveredam por magia. O linguajar técnico foi minimizado uma vez que este livro (0) é voltado tanto para o iniciado quanto para o profano. Obviamente, como thelemita, tenho a minha parcialidade mas procurei minimizar com argumentos técnicos na medida do possível e apresentando a bibliografia utilizada.

Parte I - Zeitgeist: de Boas Intenções o Inferno está Cheio


"Se um cego guia outro cego, ambos cairão numa cova."

Evangelho de Tomé

Apesar da temática interessante, o filme começa tropeçando: "A Maior História já Contada" afirma que, por volta de 10.000 a.C. , o ser humano começou a fazer representações do sol em desenhos. O homem já se expressava dessa maneira há 40.000 anos via pinturas rupestres. A seguir apresenta a importância do sol e comete o primeiro deslize em um dos alicerces da argumentação: a cruz do zodíaco é "uma das mais antigas imagens conceituais da história humana". Uma cruz dentro de um círculo é a junção de duas formas básicas não surgindo para representar o zodíaco (isso será útil mais a frente). Voltando ao sol, é dito que ele personificava um deus criador; correto mas, logo em seguida, emenda na narração "filho de Deus" sem contextualização alguma - o sol está mais para Deus do que para o filho dele - uma óbvia alusão a uma das formas pelas quais Jesus Cristo é conhecido nos evangelhos canônicos - sem contar o "salvador da humanidade" depois. Em seguida já diz que o sol passa pelas 12 constelações como "o filho de Deus".

Somos apresentados ao deus egípcio com cabeça de falcão, Hórus, chamado deus do sol em 3000 a.C. Cabe lembrar que antes de Hórus houve o primeiro deus sol chamado Ra (ou Atum) que também era representado por um homem com cabeça de falcão. Aliás, tanto deuses, como símbolos sofrem constantes mudanças nascendo de outros povos assumindo novas formas. Ambos foram fundidos nas ultimas dinastias como Ra-Horakhty ("Ra Hórus de Dois Horizontes"). Os cultos dos deuses mudavam muito de acordo com a dinastia governante havendo trocas constantes de divindades. Porém, em 3000 a.C., no período proto dinástico, Ra era do deus sol e não Hórus. Sem contar que Hórus é um deus que teve diferentes formas e nomes devido o seu culto durar do período pré-dinástico ao greco-romano. Podemos perceber que o filme começa a atribuir uma linha mítica a origem de Jesus Cristo, abordagem interessante mas, em seguida, o narrador extrapola o bom senso, manda Joseph Campbell para o inferno, e descreve o seguinte de Hórus:

1 - Nasceu em 25 de dezembro - Dizer o dia exato em que Hórus nasceu é um absurdo. Ele é um deus da antigüidade, um mito com mais de 5.000 anos. Quem conhece o momento exato do nascimento de um mito tão antigo quanto Hórus? Sendo muito (mas muito mesmo) condescendente pode-se chegar ao mês por alguma associação astronômica (equinócio e solstício). Mas o dia exato? E a qual das versões de Hórus o filme se refere? A de 3000 a.C. quando o deus sol era Ra? Descobrir o dia do nascimento em deus como esse torna-se mais difícil por ele ser uma derivação - ou evolução - de outro, portanto não teve dia para nascer.

O dia 25 de dezembro não veio de Hórus, foi atribuído a Jesus Cristo não sendo nem mesmo uma data real. Ocorreu devido ao costume de reutilizar o período das festas judaicas e pagãs para estabelecer a nova religião, da mesma forma que construíram igrejas em cima de locais sagrados para absorver o culto. Da mesma forma com Krishna a data foi atribuída para realização de festivas não sendo indicação precisa.

2 - Da virgem Isis - O mito da virgindade adveio do Judaísmo - Cristianismo e não da religião egípcia - e nem todos os cristãos aceitavam essa versão (ver o Capítulo III ). Tem origem em uma referência ao messias judeu em Isaias 7:14 que nasceria de uma "virgem"; acontece que o termo usado é "almah" significando uma jovem moça pronta a se casar, a que não teve relações sexuais é chamada de "betulah" .

À Isis nunca foi atribuída virgindade. De acordo com o dogma cristista (1) Maria não carregava a mancha do pecado original de Adão e Eva (cópula) sendo assim uma mulher especial para gerar o salvador da humanidade. A sua concepção virginal é o dogma chamado Imaculada Conceição. O mito de Isis e Osiris diz que, após este último ser esquartejado por Seth ela tentou remonta-lo mas o pênis do marido foi engolido por um peixe. Ela então fez outro de ouro e concebeu Hórus. Em outras versões ela "canta" no pênis substituto, voa por cima do marido e auto-gera o filho, daí uma possível associação de concepção do filho sem um pai, logo, sem relação sexual e assim aludindo a Imaculada Conceição - se bem que isso não é explicado no filme.

3 - Que foi seguido por 3 reis procurando um salvador - Nenhuma das versões de Hórus foi seguida por reis. Obviamente uma associação aos "três reis magos" presentes no nascimento de Jesus Cristo que, dos quatro evangelhos, apenas o de Mateus os referencia e não como reis e não três, apenas como "uns magos vieram do Oriente a Jerusalém". Chegou-se a três pelo número de presentes.

4 - Foi professor aos 12 anos - Não existe nas histórias egípcias Hórus como professor e nem aos 12 anos;

5 - Aos 30 foi batizado - Não existe indicação de "batismo" de Hórus ou unção semelhante.

6 - Tinha 12 discípulos - Hórus nunca teve discípulos, muito menos 12;

7 - Com os discípulos realizou milagres - Hórus nunca realizou "milagres", no máximo usava de magia, como era comum nos mitos egípcios.

8 - Que era conhecido por pastor, cordeiro de Deus etc - Cordeiro de Deus é um termo judaico cristão. Hórus jamais foi chamado assim na cultura egípcia. Hórus é associado ao arquétipo de filho, devido a sua tarefa em vingar o pai e a sua forma infantil Harpócrates. A semelhança com Jesus existe apenas nessa relação de filho de uma divindade importante, mas Hórus jamais foi "Filho do Sol" - na verdade ele variava de bisteno a trineto de Ra, o Deus do Sol quando não era o próprio Deus.

9 - Traído por Tifão foi crucificado e enterrado e ressuscitou 3 dias depois - Hórus não foi traído por Tifão (nome grego para Seth, o assassino de Osíris), perdeu um olho vingando o pai. Ambos nunca foram próximos para que houvesse qualquer traição apesar de serem, nas versões mais conhecidas, tio e sobrinho.

Bem, bastaria parar por aqui, pois a filme já foi invalidado em seus argumentos históricos, mitológicos e astronômicos, mas vamos dar seqüência para entendermos como não argumentar:

1 - Attis - aqui os paralelos ocorrem na linha da Imaculada Conceição: a mãe de Attis gerou o filho pegando uma amêndoa e colocando no seio. A amêndoa (semente) "desapareceu" e Attis foi concebido. Se concepções anormais for um fator decisivo em várias situações na mitologia grega isso acontece - Zeus era mestre em conceber filhos assumindo a forma de bestas como cisne, touro etc. Attis não foi crucificado, foi morto por um javali enviado por Zeus; era o deus dos castrados tendo o seu pênis cortado por influência da deusa Cibele. Ele foi ressuscitado por Cibele que faz dele o seu consorte. A outra semelhança seria no retorno da morte mas aqui em condições completamente diferentes do mito cristão. Vários personagens voltaram dos mortos, não apenas os citados a seguir.

2 - Krishna - os paralelos até existem, mas o serviço foi mal feito. Novamente temos a distante associação na linha da Imaculada Conceição: Krishna nasceu por transmissão mental do pai ao ventre da mãe. Outro paralelo, que o filme não mencionou, foi a execução das crianças por um rei temeroso em ser morto por uma delas, como aconteceu com Moisés e Jesus. Ele não voltou dos mortos, o seu corpo sempre foi espiritual simulando o humano. A sua "morte" foi causado por um caçador ao atirar uma flecha inadvertidamente; Krishna então foi para a sua morada celestial. O que o filme não colocou foi que os Hindus possuem uma data para o nascimento dele utilizada na comemoração do festival Janmashtami variando de Agosto a Setembro - no Brasil existem comemorações em Julho, bem diferente de 25 de Dezembro.

3 - Dionisio - novamente as grosseiras imposições de nascimento em 25 de dezembro, nascimento de uma virgem e título iguais aos de Jesus Cristo. Mas ele era um errante e também realizava feitos impressionantes que podem ser chamados, com boa vontade, de "milagres" mas, sendo uma divindade grega era magia - milagre por milagre Zeus fazia aos montes. Ele não transformou água em vinho ele era o deus do vinho e realizava festas orgásticas. Como vários mitos gregos, morreu e voltou a vida - foi dilacerado pelos titãs para extraírem dele o vinho como se faz com a uva. Perto do ano I o seu culto existia em Roma na forma orgiástica assumindo lá o nome de Baco - daí vem o termo "bacanal". Com certeza uma "excelente" inspiração para a história de Jesus Cristo… Mais sobre ele na Parte II.

4 - Mitra - um sério candidato a ter elementos anexados a lenda cristã mas, novamente, as grosseiras associações de nascimento em 25 de dezembro, milagres etc. Mitra era um deus persa do panteão zoroastrista cujo culto foi bastante influente na região estendendo-se até o sec.III d.C. em Roma passando pela Índia. Era um deus relacionado ao sol, muitas de suas representações mostravam-no em um banquete com o deus do sol; outra delas mostrava assassinando um touro fitando uma divindade solar romana: Sol Invictus. O 25 de dezembro pode ter vindo daí, pois além de ser perto do solstício (21 ou 22) onde ocorria a festa do "Nascimento do Sol Invencível" eram exatos nove meses posteriores da concepção de Maria em 25 de março, perto do equinócio.Seus cultos eram realizados em grutas, onde ocorriam sacrifícios de touros, sendo os locais onde cristãos se reuniam no início, tanto que as primeiras manifestações de arte cristã ocorre dentro delas.

Ao final ele afirma que existiram inúmeros "salvadores" - atentem para o adjetivo - ao longo da história que preenchem as mesmas características passando vários mitos. Semelhanças existem entre alguns mas não o bastante para justificar a linha de raciocínio. A semelhança foi identificada por Joseph Campbell em mitos antes e depois de Jesus Cristo. Aqui o filme generaliza para ganhar maior dimensão na argumentação. Então ele joga as características do mito de Jesus Cristo, atribuindo a todos anteriores para finalizar a sua lógica - os quais já foram mostrados não existirem em todos:

1 - Virgindade materna - acontece apenas em Maria - antes falasse de "concepção fora do comum";

2 - 25 de Dezembro - apenas Jesus sendo atribuído posteriormente para casar com a festa pagã;

3 - Morte e ressurreição após 3 dias - características específicas que só encontramos em Jesus Cristo;

4 - 12 discipulos / seguidores - apenas Jesus Cristo.

Em seguida ele entra no tema Jesus Cristo já o chamando de "Mito Solar", mostrando as suas tão conhecidas características - fora o "estrela do leste" - para relacionar com a astrologia; pode ser astronômica, como vimos em Mitra, e não astrológica.

Aqui ele invoca novamente os Três Reis Magos relacionam do com as Três Marias - já vimos que não existe definição da quantidade dos magos e muito menos sobre realeza. Não tenho dados para verificar se o tal alinhamento ocorre no dia 25 de dezembro no Solstício de Inverno no hemisfério norte é correto, mas isso já está invalidado por causa dos erros relativos aos magos. Depois ele relaciona Maria com a constelação de Virgem citando o símbolo semelhante a letra "m" e depois Buda aparece no "raciocínio" pela primeira vez por causa de sua mãe chamada Maya e completando é dito que a representação de uma virgem é feita com espigas de trigo do qual é feito o pão. Em seguida diz que Belém é a casa do pão justificando a cidade como natal de Jesus. Belém foi adicionado ao mito cristão por causa do judaísmo pois, segundo Miquéias 5:2., o messias viria de Belém: "Mas tu, Belém Efrata, posto que pequena para estar entre os milhares de Judá, de ti é que me sairá aquele que há de reinar em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade." Se formos parar para analisar, Jesus parece muito mais uma criação judaica do que um mito de várias fontes. O messias de Israel tinha características que foram encontradas em Jesus, tais como a de Miquéias e as seguintes:

1 - Da linhagem de Davi - Isaías 11:1 e Jeremias 23:5;

2 - Nascido de uma "virgem" - Isaías 7:14;

3 - Entraria em Jerusalém montado num jumento - Zacarias 9:9;

4 - Assim como aconteceu a Moisés Jesus, quando bebê, fugiu de um infanticídio ordenado pelo império que os dominava.

Em seguida ele explica um fenômeno astronômico cujos dados eu não tenho condições de contestar - aliás, uns 90% dos que assistiram o filme também não. Sendo um apelo científico, torna-se mais fácil aceitar. Ali ele justifica a morte na cruz por causa do alinhamento entre o sol e o Cruzeiro do Sul. Bem, já vimos que, pelo raciocínio utilizado, Jesus e Sol não possuem a relação que o filme deseja estabelecer além de citar o já descartado número três. O narrador emenda em seguida que "Jesus e muitos outros deuses do sol partilham a idéia de crucificação, morte de três dias etc", mas quais deuses do sol? Hórus? Atum? Ra? Apolo? Helios Hyperion? Shamash? - nenhum destes foi crucificado, morte de três dias etc. A generalização depois de uma afirmação aceita como verdade, por não ser possível questionamento e que parece verdade por evocar ciência, é uma técnica de convencimento eficiente. Depois, mais afirmações astronômicas.

O filme fala em seguida das ocorrências do número 12. De fato, a associação com as 12 constelações parece lógica e as múltiplas ocorrências lançam dúvida se existe um padrão baseado na astronomia. Bem, as estrelas sempre foram referência: contagem do tempo, orientação sendo, de fato, um fator fundamental no desenvolvimento da cultura humana.

O próximo argumento é pífio: a mandala astrológica é a base da representação cristã. Como dito anteriormente, a cruz e o círculo são formas primitivas usadas em todas as culturas há milênios e não por causa da mandala. E a cruz foi tomada pelos cristão pois Jesus Cristo morreu em uma. Roma utilizava a crucificação em suas punições - algumas teorias contestam que na época de Jesus Cristo eles não as usavam mais. A questão aqui é: cruz não veio da mandala zodiacal. E o filme mostra, apenas, as cruzes que seguem ao padrão da mandala, não sendo a única utilizada pelas cristandade. Depois ele rasga todos os livros de arte sacra dizendo que "as primeiras gravuras" mostravam Jesus Cristo com um circulo e uma cruz atrás da cabeça, exibindo pinturas que estavam longe de serem as primeiras: são as representações no estilo da Igreja Ortodoxa, chamadas de ícones. A arte paleo-cristã, ou arte primitiva cristã começou, nas catacumbas onde viviam os primeiros cristãos, Jesus foi representado, primeiramente, como um pastor carregando uma ovelha- chamado tecnicamente de "o bom pastor"; o tal circulo está mais para o chakra da coroa, muito presentes nas imagens de santos católicos.

Vemos depois trechos bíblicos com passagens escolhidas a dedo para justificar o "raciocínio" até agora.

A próxima abordagem evoca, novamente, a relação astronômica que parece bastante plausível à primeira vista mas, mostrando rapidamente, a palavra "Era" relativa a tempo sem explicar direito o contexto de cada uma nas passagens bíblicas. A afirmação astronômica utilizada é verdadeira fornecendo o elemento de credibilidade na argumentação. Mas em seguida o filme tropeça novamente ao associar Moisés com a era do Carneiro/Capricórnio pois os Judeus sopram em chifres do animal e adoravam um bezerro - que o filme já relaciona com um touro. Depois pega um trecho da bíblia que mostra uma figura semelhante a representação astrológica de Aquário para evidenciar a teoria de que Jesus estava anunciando uma nova era depois da dele. Bem, ele mal começou uma e já anuncia a próxima? Certo, mas em qual contexto? O homem na referida passagem serve apenas para apontar o local da ceia da páscoa sem ter nenhum destaque.

Em seguida, novamente, o filme tenta associar Jesus com Hórus, retomando o raciocínio já invalidado. O conceito pelo qual Jesus é marcado recai na morte e ressurreição, representado melhor por Osíris do que por Hórus. Entra-se depois na semelhança entre as religiões egípcia e cristã. Na verdade ele deveria citar o Judaismo no lugar do Cristianismo. O Judaismo teve várias influências das regiões próximas como o Egito, a Pérsia, Babilônia - pois o povo judeu habitou tais regiões quando escravo - mas o autor preferiu induzir o raciocínio evocando o culto cristão que, por sua vez, sofreu extrema influência helênica, reduzido a "religião pagã" mais a frente; e ele atribui todas as características do judaísmo-cristianismo ao Egito, o que é um absurdo reducionismo.

A argumentação prossegue destacando um pedaço de uma manifestação religiosa extremista, reduzindo, novamente, todo movimento cristão a uma declaração infeliz. Em seguida afirma que a Bíblia "não é nada mais do que um híbrido literário astrológico" novamente limitando o espectro de uma obra complexa que narra a história de um povo por milênios - e ainda estendendo "a quase todos os mitos religiosos que a antecederam". Que existam referências astrológicas, tudo bem, mas não trata-se apenas disso. Novamente o filme se furta a utilizar argumentos inteligentes não fazendo o mínimo esforço para convencer de modo eficiente.

Vemos a associação dos personagens Josué e Jesus. A semelhança existe no nome, mas a história não é tão parecida assim:

1 - Pode-se dizer que Josué nasceu de um milagre, pois Raquel parecia estéril e Deus a concedeu a maternidade, da mesma forma que fez antes com Sara e Abrãao, portanto não era novidade naqueles tempos - sem contar que Josué teve um irmão mais novo. Dou o benefício da dúvida aqui - aliás, muita da argumentação do flime é estabelecer dúvida como elemento de convencimento;

2 - Josué tinha 12 irmãos e Jesus 12 discípulos - não, Josué foi o filho 11 de 12. Então ele tinha 11 irmãos. O filme não sabe contar. Os discípulos eram 12 porque cada um iria governar as 12 tribos de Israel, ver Mateus 19,27-28;

3 - Josué foi vendido por 20 pratas - verdade e pelos irmãos;

4 - Judá sugeriu sim, a venda do irmão (mas no Evangelho de Judas, foi o próprio Cristo que pediu a Judas);

5 - Sim Josué começou a trabalhar como vizir aos 30 anos depois de ser liberto da escravidão pelo Faraó mas Jesus aos trinta começou a pregar. Ele já trabalhava como carpinteiro antes.

Em seguida o filme emenda: "os paralelismo continuam", mas quais? Crucificação? Ressurreição? A morte de Josué não teve nada de anormal fora a idade do evento: 110 anos. Antes o filme utilizasse as idéias dos paralelismos com o messias de Israel. Depois temos um argumento, muito bom, onde são questionadas fontes históricas extra bíblicas que confirmam a existência de Jesus.

Termina com o tradicional discurso anti-religião não fazendo o mínimo esforço para compreender um fenômeno tão complexo da história humana. Hoje, quando fala-se em religião, os detratores já reduzem o termo à Igreja-Católica-que-matou-gente-na-inquisição, como uma entidade onipresente, onipotente e maléfica cuja missão é acabar com a liberdade humana. O filme cai no mesmo buraco. O assunto será expandido nos próximos capítulos.

vaticano

Parte II - Carta a um Maçom: Meias Verdades


"Aquele que possui o conhecimento (gnosis) da verdade está livre"

Evangelho de Filipe

Motta não comunga com o Zeitgeist e aceita a existência de Cristo, mas não de forma literal, muito menos provinda do oriente médio do século I. Ele começa atribuindo origem mítica, de forma mais inteligente que o filme, via uma pessoa que serviu de base a vários mitos, desde o antigo Egito ao tempos atuais na própria Maçonaria, somado a um raciocínio iniciático - que não deixa de ser um tanto romântico também. Nesse começo de argumentação ele faz afirmações que mostra a linha que utiliza:

"Não quero dizer com isto que um homem assim não pudesse ter nascido, pregado, e padecido. Pelo contrário: tais homens nascem continuamente, e continuarão a nascer por todos os tempos: Encarnações do Logos, Templos do Espírito Santo, Cruzes de Matéria coroadas pela chama do Espírito."

"Direi mais: houve, em certa ocasião, um homem que alcançou no mais alto grau a consciência de sua própria Divindade; e este homem morreu em circunstâncias análogas (porém não idênticas!) àquelas narradas nos Evangelhos. Seu nascimento perdeu- se na noite dos tempos: ele foi o original do "Enforcado" ou "sacrificado" no Taro, e os egípcios o conheciam pelo nome de Osiris."

Motta associa Jesus com Osíris exaltando a característica de morte e ressurreição, o clímax da doutrina Católica Romana - fazendo mais sentido do que a associação canhestra com Hórus feita pelo filme, porém, igualmente sem garantia de verdade histórica; principalmente por referenciar Blavatsky. O problema com ela é a credibilidade, seja por ser uma fonte antiga, pois em 1963 ela já era desatualizada historicamente - Isis Sem Véu é de 1877 - seja pelas sua próprias conclusões sobre o assunto carregadas de romantismo da época. Aqui a crítica recai como fonte histórica e não em seus insights místicos.

Em seguida Motta aborda a construção do Novo Testamento. Aqui ele comete o seu primeiro pecado ao afirmar que todos os 27 livros são "falsificações perpetradas pelos patriarcas da Igreja Romana na época de Constantino"; não é bem assim. Não existia um evangelho verdadeiro, nem mesmo um Cristo verdadeiro, para que os canônicos fossem falsificações, foi apenas uma visão do mito que imperou. A diversidade dos grupos cristãos era enorme causando uma pulverização da imagem e da história e Jesus Cristo. Nos séculos I a III existiam cristãos que acreditavam:

1 - Na existência de um deus, dois, doze, trinta e até trezentos e sessenta;

2 - Que o mundo havia sido criado por um deus único e perfeito, por um deus maléfico ou por uma divindade imperfeita, fruto de uma deusa arrogante que decidiu ter um filho sozinha;

3 - Que Jesus era humano comum, era meio-humano e meio divino de nascença, que fora possuído por uma divindade aos 30 que o abandonou 3 anos depois na cruz, ou que era totalmente divino e imaterial;

4 - Que a sua morte trouxe salvação, que a sua morte não teve relação alguma com salvação e que ele não morreu - em uma bancou o transmorfo e trocou de aparência com Simão, que o ajudou a carregar a cruz, e ficou observando o coitado padecer;

5 - Que Maria não era virgem, que Maria era virgem e que era virgem antes e depois de parir.

As diferenças são tantas que a semelhança recai na seguinte matriz: homem, judeu, que existiu por volta do ano 3.721 do calendário judeu, dono de habilidades sobrenaturais e que marcou uma sociedade. O próprio Motta comenta, mais a frente, das diversas visões no cristianismo primitivo; as sua emoções nublaram a razão. As falsificações aconteceram em maior número antes da Concilio de Nicéia do que depois, devido ao próprio processo de cópia dos evangelhos, sendo preferível chamar-se de alterações (inadvertidas e propositais). Para copiar os textos naquele período usava-se a mão, não havia máquinas de cópia ou qualquer outro processo semelhante. Os raros copistas, pois a maioria da população era analfabeta, tinham que sentar-se numa mesa, abrir um papiro virgem e aquele a ser copiado e começar a trabalhar. As dificuldades do processo eram inúmeras: cansaço, desatenção, limitação intelectual, "boa vontade" em corrigir, adequações teológicas, sociais, anti-judaicas, erros de ortografia (2), colocar notas de escribas anteriores no próprio texto original. Além disso tudo havia a estrutura da escrita grega: ausência de espaço, diferença entre maíuscula e minúscula, pontuação e parágrafos exigindo interpretação pessoal ao copiar. Imaginem um texto

semespaçooupontosqueservemparafaciltaraleituraimaginelendoisso
emumpapelcomimperfeicoesquepodealterarumaletraeraumadificuldade
consideravelnaoemesmocaroleitorissodevetercontribuidoparaalterarvari
ossignificadoseideias.

Os textos já chegaram no Concílio longe das versões originais daquela visão específica. Os quatro evangelhos usados eram cópias, de cópias de cópias e de cópias estando centenas de anos longe dos originais (3) que, por sua vez, foram escritos através de tradição oral dezenas de anos depois e não por aqueles que conviveram com Jesus Cristo. Abordando a construção em si no Novo Testamento, os materiais escolhidos também vieram de fontes diversas (separadas tento pelo tempo quanto por autores) não havendo um documento único que contivesse todos os livros; por exemplo, o mais antigo chamado de 'Codex Vaticanus' escrito em grego, datado do século IV, não apresenta I e II Timóteo, Tito, Filemon e o Apocalipse de João - este entrando para combater as heresias cristãs Arianistas e Sabelianismo - sendo substituídas por um manuscrito cursivo do século XV. Se formos complicar ainda mais a situação, no final do sec.IV foi produzida uma versão em latim, a língua oficial do império Romano, para isso foi necessária uma tradução do grego. Não sabe-se de quais versões, dos evangelhos canônicos, foram traduzidas. Se havia, por "milagre", algum sentido cabalístico em alguma versão por ele escolhida, perdeu-se na tradução. Uma observação final: a suposição da época da escritura dos textos é uma coisa, a data do papiro contendo os textos é outra. O mais antigo papiro do Novo Testamento são pequenos fragmentos de João (P52) datado entre 125 e 160 d.c. mas que só foi encontrado em 1920 e o mais antigo papiro referente ao texto de Paulo (P46) data do ano 200 d.c. encontrado em 1931.

Motta avança no texto cometendo um erro histórico: não foi Constantino quem tornou o cristianismo a religião oficial de Roma mas, posteriormente, Teodósio em 380.d.C., mas acerta na perseguição aos cultos restantes chamados de 'heresias'.

O tema da origem mítica é retomando quando Motta define uma possível origem do Jesus histórico relacionando-o com os Essênios. Aqui ele atribui uma série de características com base no livro The Dead Sea Scrolls, an Introduction. A descoberta dos Pergaminhos do Mar Morto em 1945 causou grande impacto pois mostrava, entre outras coisas, um cenário religioso do período atribuído a Jesus Cristo. Para comentar esse item é melhor colocá-lo no contexto das buscas pela origem do Cristo histórico. Para descobri-lo devemos começar pelos registros mais antigos dele que são os evangelhos canônicos: Marcos, Lucas, Mateus e João. O problema é que estimam-se, as melhores datações, que foram escritos entre 35 e 65 anos depois da morte de Jesus e não por testemunhas oculares - os apóstolos não foram os autores; foram pessoas que não conviveram com ele, falavam outro idioma e o conheceram via relatos de terceiros que, por sua vez, eram cristãos, logo, parciais. Mas certas informações como em Marcos e Lucas demonstram conhecimento da destruição de Jerusalém, no ano 70 (4). Além disso, alguns evangelhos foram baseados em outros: Mateus e Lucas usaram Marcos como fonte - e um quinto evangelho apelidado no meio acadêmico de "Q". A João é atribuído 90 a 95 d.C. Mas o Novo Testamento possui outros livros, como os de Paulo, que foram escritos por volta do ano 50. Paulo, nos seus Atos e epístolas não demonstra conhecer os evangelhos valendo-se apenas da tradição oral e do Velho Testamento e praticamente ignorando a vida da pessoa Jesus mencionando apenas os eventos de caráter doutrinador: Última Ceia (1 Coríntios 11:23-26), a Crucificação (1 Coríntios 2:2) e a Ressurreição (1 Coríntios 15:14); aliás, Paulo por si só merece uma análise a parte pois o que se conhece de cristianismo católico advém, em grande parte, da sua interpretação pessoal do Cristo (não baseados nos 4 evangelhos escritos que só foram conhecidos como tal mais de 300 anos depois), mas por ora basta mostrar que ele não via com bons olhos outras versões do evangelho que não as apresentadas por ele como percebe-se em Gálatas 1: 7-12 - mesmo que o termo para 'evangelho' ('εvαγγελiοv') significasse na época apenas 'mensagem positiva vindo dos deuses', Paulo sempre manifestou falácias de autoridade a si mesmo como em 2 Timoteo 3:10:"Tu, porém, tens seguido a minha doutrina, modo de viver, intenção, fé, longanimidade, amor, paciência" (doutrina e todo o restante dele e não de Jesus Cristo).

Já que as fontes cristãs guardam certa dificuldade deve-se, então, procurar externas como as romanas, gregas e judaicas. Nas duas primeiras, ao verificar percebe-se que, até o ano 100 d.C., não se encontra nada sobre Jesus Cristo. A primeira citação ocorre em 112 d.C. pelo autor Plínio, governador de uma província romana, que escreve ao imperador Trajano sobre uns tais cristãos que "veneram Cristo como um Deus". Apenas isso. Em 115 d.c., Tácito, um historiador romano, mencionando o incêndio em Roma provocado por Nero em 64 d.c. diz que o imperador culpou "cristãos" pelo fato; ele explica a denominação oriunda de "Christus que foi executado pelas mãos do procurador Pôncio Pilatos no reinado de Tibério". Os judeus que só foram mencionar Jesus Cristo em 90. d.C. pelo famoso Flávio Joselfo. Na sua volumosa obra sobre a história dos judeus, em vinte volumes, ele cita Cristo duas vezes: a primeira é uma referência identificando um homem chamado Tiago como "o irmão de Jesus, que é chamado de Messias"; a segunda já é mais extensa e parcial pois além dele assume ser cristão - mentiroso pois em sua autobiografia ele diz ser judeu que, por sua vez, o consideravam traidor na guerra contra Roma em 70 d.C.- teve seus textos copiados por cristãos que fizeram inserções para esclarecer quem de fato era Jesus Cristo (5). Nos primeiros 100 anos mais ou menos, apenas essas fontes referenciam Jesus Cristo. Mesmo que fontes externas não tenham falado muito dele - nem que falassem nada - não significa que ele não tenha existido. Hoje nos parece uma figura importante e de extrema relevância histórica, mas pelo que se conhece do Novo Testamento, era uma personalidade local e que operou seus feitos por um curto período de tempo. Aliás, profetas e messias não faltavam naqueles tempos, principalmente entre os judeus. Jesus Cristo pode ter sido mais um.

Como registros específicos de Jesus Cristo, que só podem ser feitos durante e após a sua vida, não esclarecem muita coisa, deve-se então procurar textos de períodos próximos que indiquem algum candidato. O Talmude e a Tosefá judaicos citam duas personalidades que ecoam alguma semelhança a começar pelo nome: Yeshu ben Pandera e Yeshu Ha Notzri. O primeiro é largamente citado como a fonte real pelos que esquecem de verificar o período em que viveu, próximo ao levante de Bar-Kochba (por volta de 130 d.C.) o que invalida a sua escolha pelo conflito temporal com as primeiras citações a Jesus; já Notzri é um bom candidato a possível fonte do mito pois foi citado em uma parábola no Talmude, no período entre 103-76 a.C.. Yeshu faz um comentário que desagrada o seu mestre indicando contaminação de outra fé - a egípcia no caso - que culmina com ele mesmo retirando-se do judaísmo; como tudo que não era da lei hebraica Yeshu e suas opinião foram considerados idolatria "Yeshu praticou magia e desviou Israel". É uma parábola que trata de cisão religiosa e os escritos de Paulo tem um viés anti-judáico. A tênue semelhança fica por aí. Ainda seguindo essa linha temos os Manuscritos do Mar Morto e os Essênios citados por Motta. Bem, o problema com esses documentos é que não tratam do Cristianismo e sim do Judaísmo e do ambiente da época do nascimento do sistema cristão, sendo de pouca relevância na busca de fatos históricos conclusivos sobre a pessoa de Jesus. Um tal Mestre da Retidão é comumente associado a Jesus Cristo, mas as diferenças teológicas entre o "essenismo" e o Cristianismo Primitivo (como o vínculo ao Judaísmo no último) invalidam a escolha dele como a fonte - ser um mestre religioso com uma visão diferente do Judaísmo não conta. Se formos seguir essa linha ignorando a questão do nome, e buscarmos as lideranças messiânicas judáicas, econtraremos no ano IV a.C, data tida para muitos como a do nascimento de Jesus, um pastor chamado Atronges que decidiu aspirar ao trono de Israel colocando uma diadema na cabeça intitulando-se ´Rei dos Judeus'; e, o melhor candidato na época de Jesus, conhecido apenas como 'O Samaritano', foi crucificado por Pôncio Pilatos. Os apócrifos encontrados em Nag Hammadi , no mesmo período, guardam mais pistas, apesar da parcialidade: são cristãos - ainda assim, os evangelhos canônicos tratados acima são mais antigos.

O Jesus Cristo histórico está perdido nas brumas de teorias inconclusivas sejam elas românticas, parciais ou maledicentes. Mesmo a história de Jesus parecendo ser um grande telefone sem fio, é razoável acreditar que existiu um rabino judeu, por volta do ano I que inspirou pessoas a sua volta com pregações e feitos marcantes. Mesmo assim, Motta sai-se melhor do que o Zeitgeist por valer-se de uma literatura adequada - o qual não chega aos pés da que temos hoje, principalmente no Brasil sendo digno ele usar fontes como o livro supracitado lançado em 1961, dois anos antes de Carta a um Maçom.

Motta continua solidificando seus argumentos referenciando Apolônio de Tiana que faz algum sentido se considerarmos como uma das camadas que compõe o mito. Apolônio era grego, viveu perto da época de Jesus e era tido como milagreiro sendo um filósofo pitagórico de extrema importância no mundo helênico da época, mas não especifica conexões específicas deixando apenas no ar. Em seguida saca um texto do evangelho de João, não dizendo da onde, afirmando ser o original comentando em cima. Em seguida ele, como no filme, faz associações com Mitra, Adônis, Dionisio e Átis mas, diferente do filme, é coerente seguindo a linha estendida acima vinculando a Osíris em relação ao mito da morte, talvez inspirado em Liber CDXV, O Trabalho de Paris - omitindo a associação com Hermes feitas por O.S.V..

Uma associação com a Árvore da Vida, baseada num dos graus da A.'.A.'., e o grau 33 da Maçonaria, Rito Escocês é feita em seguida; falta-me conhecimento da Maçonaria pois não faço parte da ordem, como Motta, por isso não irei especular aqui em relação ao real significado do 33° mas o pouco que sei advém da O.T.O.(6) o que me permite enxergar paralelos com o terceiro degrau maçônico chamado Mestre. Na O.T.O. o terceiro grau equivalia ao maçom cujo ápice era representado por uma palavra de trazia o iniciado de volta da morte, MABN. derivando da palavra maçônica MOABON, que por sua vez vem de Mac-Ben-Ac (“Filho da Podridão”) só que em árabe (a da maçonaria está em hebraico). Refere-se ao ciclo da morte e ressurreição osiriano: um peregrino é capturado pelos soldados do Saladino e passa por uma série de provas. Numa delas é ensinado o mistério da morte, a transformação da matéria, onde vive uma nova vida no grau IV. Com a A.'.A.'. ele associa seguindo a mesma lógica da morte e ressurreição osiriana.

Temos, posteriormente, um estudo do nome de Jesus Cristo começando pelo "sobrenome" originalmente em grego, "Chrestos". Motta explica corretamente o seu significado relacionando com o conceito de realeza, pois reis e sacerdotes eram ungidos com óleos no Antigo Testamento simbolizando a escolha pelo deus deles. Motta não diz mas Chrestos era a tradução do grego para messias ("masiah"), literalmente, "o ungido". Em seguida ele cita os mistérios de Eleusis, ritos da antigüidade grega que tratavam da morte e ressurreição, mas não diz em qual contexto o título, Chrestos, é aplicado. Depois ele insere conclusões pessoais sobre o tema utilizando uma linha simbólica coerente, mas sem comprovação histórica.

Em seguida ele parte para a análise do nome "Jesus"; aqui Motta aborda, novamente, pelo viés simbólico furtando-se a aprofundar-se em uma análise mais concreta. O nome Jesus vem do grego "Iesous" oriundo do hebraico "Yehosua" ou "Joshua" - traduzido como Josué - sendo um nome relativamente comum na região significando "Yavé salva". Também é utilizado "Yeshua" e abreviação "Yeshu" - daí a vinculação dos dois personagens do Talmude e Tosefá.

Depois seguem mais argumentações baseadas no trabalho de Aleister Crowley mantendo-se numa linha mitológica - novamente, acuidade histórica aqui deve ser descartada. Motta vale-se da lenda de Atlântida o que, hoje, ajuda a invalidar a sua isenção. Até então, apesar de usar referências mitológicas sem comprovação, havia uma certa coerência, mas ao citar Atlântida, deixou-se levar pelo romantismo - nos anos 60 essa cidade mítica ainda gozava de alguma credibilidade entre os oculistas. As afirmações sobre sacrifício parecem verdadeiras tendo algum eco na obra de Sir. James Frazer, O Ramo de Ouro, uma das fontes de Crowley.

Motta começa a especular em seguida atribuindo origem egípcia aos ritos de morte e ressurreição indicando uma linha de desenvolvimento. Tais ritos surgiram em locais diversos sem uma origem pontual, o que ele poderia afirmar seria um ritual de cerimonial específico. Cita o fantástico trabalho de Aleister Crowley, Liber Aleph, que atribui um perfil romântico de viés doutrinário, até coerente, mas de validade histórica questionável. Provavelmente possui base na passagem da palavra perdida maçônica referente a morte de Hiram Abiff.

Em seguida Motta volta a utilizar Dionisio como uma das camadas formadoras do mito que já foi discutido na Parte I. De fato existem algumas semelhanças, mais especificamente, ambos serem representações do processo de morte e ressurreição, eram errantes e possuíam relação com o vinho. Esta última é um tanto superficial pois enquanto Dionisio era o deus do vinho Jesus transformou água em vinho em uma festa - e não Dionisio. A bebida, no caso do deus, estava associada a embriaguez que leva a uma libertação dos padrões sociais, levando a um êxtase transcendental, com Jesus foi apenas auxiliar um casamento. Talvez se o vinho fosse uma bebida especial, sendo produzida sob condições específicas mas não, era comum. Além disso, se nos ensinamentos de Jesus, houvesse algo relativo ao processo dionisíaco em si, poderíamos considerar uma grande influência mas Jesus, basicamente, manteve a abordagem judaica. Em Roma, Dionísio foi misturado com uma divindade da fertilidade chamada Liber e seu culto ganhou uma dimensão sexual mais acentuada, sendo banido pelo Estado por volta de 186 a.C. e trazido novamente (como um bom deus da morte e ressurreição) em 50 a.C. por Júlio César. A sua ênfase sexual utilizada por Roma, que governava, a região da Galiléia, afastava por completo um vínculo maior de inspiração. Pessoalmente vejo ambos, Dionísio e Jesus como arquétipos da mesma idéia: morte e ressurreição, não havendo vínculo outro entre ambos (7). Isaías é citado por Motta mas este não aponta em quais passagens Dionísio é referenciado (8).

Argumentações pessoais do autor, de viés místico, são lançadas criticando uma tradução do Antigo Testamento com viés doutrinário thelêmico (9) que só interessa aos adeptos da obra de Aleister Crowley bem como avança, em seguida, referenciando o Novo Testamento como ainda contendo algumas passagens iniciaticamente válidas - aliás, Motta não esconde a parcialidade em relação a ele. Temperando seus argumentos com pitadas de Crowley ele corre o risco de invalidar a sua linha de raciocínio.

Depois ele retorna à Maçonaria, mantendo a retórica mística especulativa, atribuindo ao lendário Christian Rosenkreutz influência em movimentos como o Renascimento, a Reforma Protestante e a Revolução Francesa ignorando toda a dinâmica econômico social da história européia. Um dos ritos maçônicos mais famosos foi criado por um membro de uma alta hierarquia espiritual que zela pela ordem humana. Aqui Motta relaciona com a estrutura da A.'.A.'., referenciando, novamente a obra de Aleister Crowley. Para os que acreditam faz muito sentido, para os interessados apenas pelos fatos históricos, a passagem não passou de pura "balela esotérica".

Motta resume as suas idéias a seguir mantendo o viés iniciático da A.'.A.'. invocando, novamente, a Maçonaria atacando de Joseph Campbell thelêmico. Novamente, depende da boa vontade do leitor aceitar esses argumentos. Ainda nessa parte ele entra nas formas da Igreja Católica Apostólica Romana criar as datas de suas festas argumentando de forma parecida com o Zeitgeist, mas com um discurso melhor por não abusar da astronomia como fez o filme. Mas nem todo festival pagão era orgástico e Igreja adequou o seu calendário inicialmente mais por conta das festas judaicas do que as pagãs devido a sua origem próxima da religião de Abraão. Motta especula de forma interessante associando , o diabo e a era de Capricórnio; já o filme o faz de maneira risível atribuindo a semelhança via o chifre usado pelos judeus. Se verdade ou não, Motta amarrava com mais variáveis do que a película.

O argumento prossegue referenciando a intolerância da Igreja Romana. Se foi assim que aconteceu não tenho condições de afirmar mas é coerente com a postura historicamente conhecida dessa instituição mas, a informação de que foram os essênios e gnósticos os únicos a continuar com os Mistérios Menores do Egito e de Dionísio carece de verdade. Os "mistérios do Egito" - e os gregos também - foram recuperados na idade média pelo Islã em sua expansão científica pela Europa, não esquecendo de Napoleão que popularizou o Egito no ocidente no século XVIII e a Inglaterra no XIX devido a sua prática colonialista. Sem contar que essênios eram essencialmente judeus e desapareceram com o tempo, já os gnósticos ainda permaneceram entre nós por mais tempo sendo possível que tenha ocorrido.

Em seguida Motta argumenta sobre as práticas negativas da Igreja Romana e sua má relação com a Maçonaria, sendo de razoável aceitabilidade com destaque ao credo que, fora as referências a Dionísio, guarda uma lógica aceitável. O seguinte trecho deve ter causado arrepios no Doutor G:

"…nasceu da Virgem Maria..." (esta Virgem Maria é também a Grande Puta do Apocalipse. É a Grande puta porque Ela se dá a tudo o que vive; e é a Virgem porque permanece intocada por tudo a que se entrega. Quem é Ela? É a Casa de Deus, a Natureza, a Grande Mãe, e as leis naturais são as únicas leis realmente divinas... Ísis- Urânia, NUIT, Nossa Senhora das Estrelas, é a concepção dessa Mãe Grande e Eterna, copulando desavergonhadamente e avidamente com todas as suas criaturas, pois em cada uma delas Seu Senhor se manifesta e A ocupa. É também a mais alta e mais verdadeira forma de PÃ. A Ísis eternamente inviolada e esta Virgem Imaculada, e as imagens de Virgem com o Menino Jesus nas Igrejas Romanas são cópias das múltiplas imagens de Ísis com o Menino Hoor, que podem ser examinadas na seção de Egiptologia de qualquer museu)."

Motta associa aqui a figura do menino Jesus com uma das formas de Hórus. Bem, mãe com filho no colo é uma imagem tão antiga quanto a espécie humana. Quanto a Maria e Babalon, Motta encaixa a doutrina thelêmica como um pontapé no peito do leitor. Não que eu discorde mas, como argumentação pura e simples carece de sutileza - mas talvez tenha sido intenção dele ser incisivo. A minha única restrição foi a associação genérica com o feminino, cabendo uma especificação mais direcionada. Babalon é tão mulher quanto Maria, só que mais fêmea do que mãe.

Perto do final Motta cita Aleister Crowley dizendo que padres católicos orquestraram uma perseguição na época da afirmativa citada. Bem, Motta adorava uma conspiração da Igreja Romana e não perdia tempo em utilizá-la sempre que possível. Pensar nesse tipo teoria conspiratória orquestrada por uma organização secular apenas encobre a verdadeira causa do problema. Se assim fossem, não teríamos a influência protestante tão grande hoje no Brasil sendo que eles sempre foram pulverizados como entidades aqui. O real problema será tratado na próxima parte.

Motta concluí a sua argumentação de forma bem interessante retornando ao ponto onde Jesus Cristo deve ser visto não literalmente, mas como uma metáfora a ser utilizada, em busca de uma compreensão espiritual elevada, ou como chamamos, Iniciação.

Entre mortos e feridos salvaram-se todos.

Parte III - Todos os caminhos levam a Roma mas poucos a Heliópolis


"Sempre que é objeto de uma interpretação que a encara como biografia, história ou ciência a poesia presente no mito fenece.
As vívidas imagens estiolam-se em fatos remotos de um tempo ou céu distantes.
Ademais, jamais há dificuldade em demonstrar que a mitologia, tomada como história ou ciência é um absurdo.
Quando uma civilização passa a interpretar sua mitologia desse modo, a vida lhe foge, os templos transformam-se em museus e o
vínculo entre as duas perspectivas é dissolvido. Uma tal praga certamente se abateu sobre a Bíblia e sobre grande parte do culto cristão."

Joseph Campbell - "O Herói de Mil Faces"


No adendo, Motta faz um apelo ao Dr. G. para combaterem o que chamou de "forças das mais hediondas" citando, entre elas, "as religiões organizadas do Aeon passado" mas, para combater de maneira eficiente, devemos conhecer aquilo contra o qual se luta, focando aqui no assunto das duas obras.

O Cristianismo é um fenômeno complexo não podendo ser reduzido à conspirações e meras associações superficiais carregadas de lógica, igualmente Jesus Cristo. Mas a sua construção foi um processo complexo, descentralizado e imperfeito. Complexo por obedecer a uma serie de eventos, descentralizado por não ser fruto de alguma entidade maléfica ou conspiração milenar e imperfeita pela variável chamada ser humano - ou quem sabe graças a forças outras metafísicas.

Mas como o Cristianismo cresceu tanto? Originalmente os cristão eram párias, tanto social quanto economicamente. A primeira geração era formada por:

1 - Judeus que perderam o vínculo com a religião mas ainda ligados ao deus de Abraão - aqueles por quem Jesus Cristo veio primeiro, as ovelhas desgarradas de Israel;

2 - A baixa camada social: pobres e doentes - leia-se uma enorme quantidade de gente;

3 - Romanos em decadência;

4 - Pensadores gregos isolados no mundo romano sem direito a voz.

Percebe-se algo em comum a todos: dificuldade material. A mensagem de Jesus Cristo era confortante pois aceitava qualquer um independente de origem, cor e condição financeira, a plebe aderiu em massa. Ao contrario da grandes religiões da época, o Cristianismo era amplamente democrático: o Budismo só admitia salvação para uma elite que alcançasse o Nirvana, o Hinduismo não possuía conversão pois continha um fator hereditário do mesmo modo o Judaísmo, um deus que mantém uma relação com um grupo específicos de pessoas, uma família - não se entra facilmente para uma família, exige uma série de demonstrações de vontade. Havia um grande apelo emocional pois não importa o que você faça, "arrependei-vos", aceite Jesus e Deus o salvará… no final. O nosso "Neo Judaísmo" cresceu também á medida que várias versões dos diversos evangelhos são escritos. Curiosamente, é uma das religiões que mais possuiu documentos na sua origem sendo a escrita um fator decisivo na velocidade da propagação (talvez por serem uma variação do Judaísmo, religião acostumada a essa prática). De posse de textos, os que sabiam ler eram capazes de reunir multidões e pregar com maior eficiência unificando o conceito. Uma diferença marcante do judaísmo que garantiu poder de agremiação advém da ausência do caráter territorial da 'Terra Santa' do povo hebreu, apresentando assim, um tipo de 'Reino Espiritual' para todos. Após a rebelião judaica contra Roma em 66 d.C, que garantiram a eles 4 anos de domínio da Terra Santa, os romanos voltaram e devastaram o território para que não restasse sinal da ocupação, massacrando dezenas de milhare de judeus e acorrentando o restante exilando-os. O trauma foi tão grande que floresceu um judaismo distante do messianismo radical - a Torá substituiu o Templo no centro da vida e os cristão sentiram, assim, a necessidade de afastar-se também dessa visão revolucionário judaica relaciona a terra. Com o tempo a diversidade de cristão tornou-se tão grande, os seguidores aumentaram tanto, que foi necessária uma organização pelo Estado, pois havia disputas entre todas as denominações cristãs e a influência do "novo deus romano" era significativa na população - e ele sendo um líder espiritual pacífico, sem interesse terreno facilitou muito a absorção pelo Estado Romano. Foi realizado então o Concílio de Nicéia para a confecção de um cânone cristão e estabelecer a religião oficial cristã de Roma. E temos hoje, o cristismo - pulverizado em inúmeras variações - que é uma religião espiritualmente inócua e um entrave histórico no desenvolvimento humano.

Por que o cristismo é ruim? Não é pelos crististas acreditarem no Jesus romano; não é por acreditarem na Bíblia; nem por serem contra o sexo antes do casamento é por serem intolerantes. Esta intolerância deságua na única palavra de pecado thelêmica: Restrição. Tal comportamento é histórica advindo de antes do Concilho de Nicéia. Os pré-católicos romanos, por alguma razão (10), adotaram uma visão exclusivista da sua religião, apenas Jeus Cristo era salvação, na verdade, restringindo todas as paralelas. Isso não veio do mundo romano, que era tolerante com a variedade religiosa - como poderia ser diferente se eles mesmos eram politeístas? Os judeus, por exemplo, nunca foram perseguidos pela sua religião, foram escravizados como qualquer outro povo, como mão de obra e conquista de territórios (11) Mas por que foram perseguidos os cristãos? Eles se recusavam a adorar os deuses do estado romano e não por que adoravam os seus próprios. As perseguições eram locais e esporádicas até o sec. III. Dos cristãos isso não era aceito por ser uma religião nova, ao contrário dos judeus que conseguiram escapar a essa imposição romana pois a antigüidade de um culto era considerado atenuante do processo no mundo antigo. Outro ponto a favor do Povo de Israel é que não interessava a eles converterem pessoas ao judaísmo, tirá-las dos deuses do estado - sendo assim até hoje. A religião judáica possui o deus deles, desse povo em específico, não sendo o mesmo dos de fora da "família". Sim, o ponto de vista deles é um relacionamento familiar de séculos com uma divindade superior que atende a eles apenas, ao contrário do Cristianismo que abarcava todos os judeus "perdidos" em sua fé, escravos, párias ou seja, qualquer um e, sendo exclusivista, atacava interesses do estado romano. Posteriormente na vitória da facção Católica, aliando-se a um poder temporal, os vencedores trataram de exterminar a concorrência, a começar pela interna. O expurgo tratou de acabar com quaisquer visões cristãs diferentes incluindo assassinato. Desnecessário dizer que o comportamento foi levado em frente e persiste até hoje, mas não com os assassinatos do passado, devido a leis outras que garantiram a tolerância, mas ainda carrega o mesmo câncer preconceituoso da sua origem (12). Algum cristista ao ler essas palavras poderá recusá-las imediatamente pois, na sua cabeça doutrinada - e por que não lavada? - ele está fazendo o bem. O grande problema está aí: nada pior do que um idiota entusiasmado com boa vontade.

Por que o cristismo é ruim? Porque ele perverte o mito, porque ele é grosseiro. Um mito possui funções de estabilização servindo como metáfora para a compreensão da vida e segundo Joseph Campbell:

1 - Reconciliar a consciência ás precondições de sua própria existência ao mysterium tremendum (choque ao contemplar o infinito);

2 - Apresentar uma imagem consciente da ordem do cosmo;

3 - Validar e apoiar uma ordem moral especifica;

4 - Conduzir os indivíduos através dos vários estágios e crises da vida.

O clero - ou igrejas ou pastores - como na sua representação no arcano V do tarô, O Hierofante, cumpre um papel de mediador entre o divino e o terreno mas, deveria estimular a vivência pessoal de cada um, abrindo as portas das verdadeiras dimensões do significado da Morte, Ressurreição e Ascensão do mito Jesus Cristo - um lidar com o inexplicável assumindo uma compreensão além do intelectual - e não interferir na vida familiar, impor a sua moral, propor projetos de leis visando restringir o comportamento sexual de outrem. Ela cumpre, mal, a terceira função do mito (13). E não me refiro apenas a Igreja Católica , o Protestantismo começou com uma excelente idéia: eliminar a Igreja Católica Apostólica Romana do intermédio entre o fiel e a sua divindade, mas o movimento não estava imune a praga da Restrição. Lutero afirmava que apenas uma elite intelectual seria capaz de interpretar os escritos cristãos - apesar de ter feito o magnifico trabalho de verter a bíblia para o alemão, retirando-a do obscuro latim. Outro fator é o seguinte: quanto mais cresce uma comunidade maior é o número dos que aceitam sem questionar e aqueles que pensam não possuem aumento proporcional, logo, as doutrinas tornam-se rasas para entrar em mentes limitadas e aumenta-se o estímulo emocional para "segurar a clientela" (14).

Por que o cristismo é ruim? Em termos iniciáticos, vale-se de um trabalho focado no corpo de desejos (kama-rupa) ignorando outros aspectos superiores da consciência, não trabalhando de fato todos os cinco elementos na constituição humana (15). Desperta meras sensações emotivas - tanto quanto um show de rock pode fazer - e vincula aos seus padrões de moral e visões de divindade. Ele não liberta apenas restringe. A religião tem o poder de unir pessoas, isso é fato mas, o que fazem com esse poder é outra história. A religião em si não é má, tanto quanto uma faca. Boa ou má é a mão que utiliza o instrumento - na verdade, a mente que a comanda. Na ânsia de espalhar o que acham bom, pervertem a liberdade do outro (16).

Se Motta pediu aos Maçons para que lutassem contra o cristismo eu me dirijo ao leitor para que entenda contra o que deve-se lutar de fato: não é contra o deus de outro, crença que desagrade a nossa "lógica" ou quaisquer ritos que nos pareçam bobagem mas contra a Restrição, aquela que nega o direito ao outro de ser o que é e buscar por seus caminhos uma alternativa. Cada um que o faça dentro das suas capacidades, seja através da magia, religião, ciência, tecnologia, arte, movimentos sociais, das ciências jurídicas ou quaisquer outras áreas do saber humano. Percebo que muitos estão imbuídos dessa causa e tentam agir, mas erram. Vejo alguns embates hoje entre religiosos e os denominados céticos e ateus opondo ciência e religião. Ambos caem na mesma vala do discurso emotivo tendendo ao extremismo (cetim). Religião por si só não é aval de certeza (17) da mesma forma que a ciência. Ambos não estão em lados diferentes do espectro. A história mostra várias situações onde a religião foi tão destrutiva quanto construtiva. Da primeira situação não preciso falar nada aqui mas, da segunda cabem vários exemplos: a religião (18) é a base das civilizações, a religião tem o poder de unir pessoas, a religião tem o poder de evocar nobres sentimentos, como por exemplo na arte. O Egito antigo floresceu com base numa religião, os legados das pirâmides, com seus mistérios matemáticos são frutos de uma religião dentre outras contribuições desse povo. A religião grega forneceu metáforas para que o homem compreendesse melhor ele mesmo e, por tabela, as leis da natureza. A ciência legada pelos gregos floresceu em um povo religioso que não via contradição entre a lógica e cultuar Apolo. E, por incrível que pareça, o que sabemos hoje do pensamento grego (19), devemos muito a outra religião chama Islamismo - Aqui cabe um parênteses devido a imagem que existe atualmente do Islã: após a morte de Mohamed houve uma expansão do Islã tanto para o ocidente quanto para o oriente. Neste, conquistaram a antiga Pérsia, Índia chegando a Mongólia, no ocidente, menos de cem anos depois da morte do profeta, eles aportaram na Espanha, passando pela África tomando o Egito. Incentivados pelo Corão a buscar o conhecimento e ler a natureza através dos sinais oferecidos por Alá, o Islã criou uma sociedade que foi o centro científico do mundo na Idade Média; por unir os grandes impérios do passado - Persa, Hindu e Egípcio - ele teve acesso a herança intelectual de todos esses povos com um bônus: o conhecimento grego estava preservado nas bibliotecas egípcias. Disso veio a introdução de avanços matemáticos na Europa (álgebra e o zero), da astronomia (identificando estrelas e corrigindo até cálculos orbitais da lua feitos por Ptolomeu) em misticismo a alquimia, o Sufismo e imensas contribuições na astrologia dentre várias outras (20). A ciência, no seu lado destrutivo, deu ao mundo teorias absurdas como as das desigualdades raciais e as eugênias nazista e japonesa na Segunda Guerra Mundial citando exemplos mais próximos do nosso tempo. Face a isso tudo percebo que o problema não está na religião em si e muitos menos na ciência per si mas no homem que as produz - não tem como fugir: "Não há deus senão o homem". Reduzir problemas culturais complexos a termos aplicados genericamente como "religião" e "ciência" é erro grave, pois desvia da verdadeira origem do problema. (21) O cerne da questão está no ego que a todo custo defende o seu ponto de vista, tratando como uma extensão de si, caindo em valas emocionais profundas através da escalada irracional da reação sentimental em embate com terceiros (22). Do ponto de vista iniciático, ação do corpo de desejos.

Motta temia que o Olho se fechasse sobre os Maçons se eles compactuassem com o cristismo (23) , mas ele também lança sua luz para outros; a cada piscadela a escuridão invade o coração dos homens, mas ele se abre vigorosamente quando alguém adentra a estrada da verdade. Zeitgeist, o filme, prestou um grande desfavor sendo grosseiro não refinando o êxtase na busca por respostas enquanto Motta, apesar das imprecisões, apontou um caminho para descobri-las fazendo, com toda certeza, o Olho se abrir.

Keron-ε
Sol em Áries
Ano IVXX
2012.e.v.

Notas:

(0) - Este artigo foi cortado do Sol no Sul por questões de espaço no livro.

(1) - Nelogismo emprestado de Fernando Pessoa para representar a visão deturpada do mito cristão pela Igreja Católica Apostólica Romana.

(2) - Para ter uma noção da dificuldade: no começo do Livro dos Hebreus é dito que "Cristo sustém ('pheron') todas as coisas pela palavra de seu poder". Mas, no Códice Vaticano, um manuscrito antigo, está escrito "Cristo manifesta ('phanerom') todas as coisas pela palavra de seu poder". Um terceiro copista, ao ler o texto do Códice, ciente da alteração, deixou uma nota ao lado dizendo: "Insensato e desonesto, deixe o texto antigo, não o altere". Outra, um pesquisador do século XVIII, J.J. Westtstein encontrou um problema ao ter acesso a um documento chamado Códice Alexandrino: na passagem de 1 Timóteo 3,16 a maioria dos textos diz que Cristo é "Deus tornado manifesto na carne e justificado no Espírito" e o termo usado para "Deus" é uma abreviação sendo escrito com Teta e Sigma ("Θ" e "Σ"), com uma linha em cima indicando a abreviatura. No Códice Alexandrino, Westtstein percebeu que a linha superior foi feita por uma tinta diferente indicando modificação posterior ou seja, não era abreviatura; e mais, ao invés de Teta aparecia um Ômicron, ambos representados como um "O" acontecendo a diferença no Teta com um traço no meio ("Θ" e "Ο") mas ele, no Códice, era resultado de um vazamento do outro lado do velino gasto, mudando o sentido da palavra para "quem". Em suma, ao invés de "Deus tornado manifesto na carne e justificado no Espírito" tinha-se Cristo "que foi manifesto na carne e justificado no Espírito", uma enorme mudança teológica.

(3) - Atualmente conhece-se cerca de 5.400 cópias gregas de todo ou parte do Novo Testamento. Para efeitos de comparação, existem menos que 700 cópias da Ilíada.

(4) - Marcos 13:1 e Lucas 21:20-22.

(5) - As adições em colchetes: "Nessa época surgiu Jesus, um homem sábio [caso ele de fato devesse ser chamado de homem, pois] realizava feitos impressionantes, um mestre de pessoas que recebiam a verdade com prazer. E ele conquistou seguidores entre muitos judeus e muitos de origem grega. [Ele era o Messias] E quando Pilatos,por causa de uma acusação feita pelos líderes entre nós, o condenou à cruz, aqueles que o amavam antes não deixaram de amá-lo [Pois ele apareceu a eles no terceiro dia, novamente vivo, assim como os profetas divinos tinham falado dessa de incontáveis coisas assombrosas sobre ele] E até hoje a tribo dos cristãos, que leva seu nome, não desapareceu. Antiguidades, 18,3,3"

(6) - Ordo Templi Orientis, uma ordem de estrutura maçônica governada por Crowley que adicionou magia sexual as suas práticas.Ver O.T.O.

(7)- De certa forma, Dionísio ainda se faz presente, não apenas no óbvio carnaval e festas mas, por incrível que pareça, nos cultos pentecostais repletos de catarses, furor e outras manifestações de insanidade temporária - mas, sem Apolo para "refinar o êxtase", seus devotos tornam-se um bando de fanáticos que cedem a sentimentos menores tornando-se influenciáveis ao extremo.Talvez, por esse ponto de vista, Jesus Cristo e Dionísio andem lado a lado.

(8) - Encontrei sátiro, unicórnio e passagens maldizendo o vinho (por tabela, Dionisio):

"Mas também estes erram por causa do vinho, e com a bebida forte se desencaminham;
até o sacerdote e o profeta erram por causa da bebida forte; são absorvidos pelo vinho;
desencaminham-se por causa da bebida forte; andam errados na visão e tropeçam no juízo.

Porque todas as suas mesas estão cheias de vômitos e imundícia, e não há lugar limpo."
Isaías 28:7-8

(9) - Na minha cópia está Isaias 3, 1-12, mas é 53: 1-12.

(10) - Posso especular aqui: por serem uma variação judaica, o senso de exclusividade do deus foi transmitida para o grupo. O judaísmo pode ser visto como uma religião de relacionamento entre a entidade criadora do mundo e uma família que há gerações honra essa amizade. Por essa razão eles são tidos como "fechados", qual família fica expondo-se para estranhos, principalmente o seu "patrono"? Eles são o "Povo Eleito" por aquela divindade todo o restante (nós) não é do interesse deles.

(11) - Roma era democrática nesse aspecto: não importava cor, raça, sexo, religião, país, todos serviam como escravos.

(12) - Câncer sim, pois se espalha. No Brasil de hoje, 2012 e.v., podemos perceber facilmente em certos grupos protestantes essa postura.

(13) - Aqui mito e religião se misturam; invocando Campbell novamente: "A mitologia pode, num sentido real, ser definida como a religião de outras pessoas. E a religião pode, de certa forma, ser mal entendida como um erro popular de interpretação da mitologia".

(14) - Ver o artigo "Marketing e Religião" que mostra a semelhança entre ambos e o funcionamento do "cérebro emocional". bit.ly/z5u8nj.

(15) - Fogo, Água, Ar, Terra e Espírito. O kama-rupa é o foco do trabalho em conversões religiosas - que facilmente são usadas para outros fins como políticos. Ver o ensaio A Manipulação Religiosa e Mística. Gostaria que o leitor atentasse para as referências utilizadas: cristismo e Cristianismo; dentro deste último existem sistemas que levam a iluminação metafísica, ou como diria René Guénon e Frithjof Schuon, a Unidade Transcendente das Religiões. To Mega Therion, inspirado-se em Blavatsky, cunhou o conceito de Grande Fraternidade Negra, onde chega-se a S.'.S.'. através da via do sofrimento.

(16) - Em uma análise mais aguda da obra de Aleister Crowley percebemos que ele "perverteu a perversão" pois assumiu como virtudes certas características negativas ao cristismo. Isso deu-se focando nos símbolos do livro mais temido, o Apocalipse, portanto de forte apelo emocional ao cristão: o nome mágico pelo qual ficou conhecido To Mega Therion, A Grande Besta ou 666 e a utilização da Babilônia, A Mulher Vestida com o Sol, como consorte. Nada tão complexo quanto a crítica de Nietzsche porém tem lá a sua profundidade.

(17) - Obviamente que eu incluo quaisquer sistemas ou filosofias misticos/mágicos/esotericos, incluindo Thelema. Convivi com ditos thelemitas que jamais daria voto de confiança preferindo muitos amigos cristãos.

(18) - Por religião defino, elasticamente, qualquer culto grupal.

(19) - Ao ser conquistada por Roma, muito da sua produção cientifica e intelectual se perder, devido a Roma não ser um estado que estimulasse da mesma maneira, apesar de utilizar muito do pensamento helênico. Com o advento do Cristianismo e sua política de Restrição, a produção declinou mais ainda.

(20) - Até surgir o filósofo Al-Ghazali que tratou de afastar o pensamento islâmico da filosofia grega voltando-o para a linha ocasionalista atribuindo a leis da causa e efeito a Alá ou anjos - dentre outros fatores, claro.

(21) - Eu mesmo, por mais que considere a ciência algo fantástico de grande valia para a raça humana, jamais me colocaria do lato dos ateus. As minhas experiências iniciáticas me levaram a certeza da existência de uma inteligência superior a da humanidade.

(22) - Você grita alto, eu respondo mais alto e você responde em tom maior e assim vai até que todas as ideais defendidas pelo adversário são ruins, até as boas.

(23) - Motta romantizava a Maçonaria, pois ela é uma instituição de ensinamentos morais que sempre foi acolhida em paises cristãos, não apenas por causa da democracia, mas devido ao forte vínculo com o Antigo Testamento em seus ritos. Ao longo dos séculos a maioria dos seus membros foi cristã, incluindo sacerdotes católicos e protestantes. A moral do grupo sempre conteve fortíssima influência cristã e nunca desafiou o status quo religioso dos países em que floresceu apesar do esforço em evitar o sectarismo de crenças em seus princípios. Já o pensamento thêmico se opõe a muitas das bases morais-religiosas implícitas nesse grupo de "homens livres e de bons costumes".

Bibliografia:

- ASLAN, Reza -
Zelota: a Vida e Época
de Jesus de Nazaré.

- CAMPBELL, Joseph -
O Herói de Mil Faces
Tu és Isso.

- CHEVITARESE, André
Jesus de Nazaré, uma outra história.

- EHRMAN, Bart D. -
Evangelhos Perdidos,
O que Jesus Disse? O que Jesus Não Disse?
Quem Jesus Foi, Quem Jesus Não Foi?

- FRAZER, Sir James George
O Ramo de Ouro

- HOELLER, Stephan -
Gnosticismo.
A Gnose de Jung

- LAYTON, Bentley -
As Escrituras Gnósticas.

- LELOP, Jean-Yves -
O Evangelho de Tomé.

- PAGELS, Elaine -
Adam, Eve and the Serpent.
Os Evangelhos Gnósticos.

- SABINO, Fábio -
Manual de Exegese do Antigo Testamento.

- Sonn, Tamara -
Uma Breve História do Islã .

http://www.astrumargentum.org/ht/ensaios/adjuvo_1.htm

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/189962/epigraphy/58792/Ancient-Egypt

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/115240/Christianity

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/115240/Christianity/67518/Art-and-iconography?anchor=ref301263

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/175749/Early-Christian-art

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/272528/Horus

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/492674/Re

http://www.digitalegypt.ucl.ac.uk/

http://egyptian-gods.info/

http://fathom.lib.uchicago.edu/1/777777190168/

http://www.sacred-texts.com/egy/index.htm

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