Seguindo um exemplo do próprio 666 e incentivado por meu instrutor, resolvi buscar fora dos livros de magia exemplos de iniciação, afim de me orientar melhor e passo a você alguma coisa do que concluí devido as suas constantes dúvidas.
Creio que uma das virtudes humanas é a capacidade de se adaptar e isso engloba novas formas de ensino, novas linguagens, pois a uniformização é um erro. Nós não somos iguais, apesar de compartilharmos características em comum, cada indivíduo absorve melhor as informações a sua maneira.
Pois bem primeiro vamos aos quadrinhos: você já leu a magnífica mini-série do Batman chamada O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller (2). Lá, Bruce Wayne, na casa dos 50, aposentou-se como Batman. Graças a morte de Robin dez anos atrás. Desde então ele passou a beber, a viver como um homem normal. Fechou os olhos à criminalidade, vive de sua fortuna correndo de automóveis etc, um típico home lunar.
A figura do Batman sempre foi obsessiva: um homem vestido de morcego à cata de bandidos. A disciplina e a força de vontade para tornar-se um combatente do crime dessa maneira é muito grande: treinos físicos intensos, disposição de passar anos vivendo uma vida dupla sem recompensa material alguma. Batman foi apenas um homem sem super poderes, mas munido de uma força de vontade descomunal. Isso deveu-se ao trauma da morte de seus pais por bandidos na infância. Aquilo despertou a procura por alguma coisa. E ele achou após a sua adolescência. Um dia um morcego entrou pela janela e mostrou uma missão: combater a criminalidade na forma assustadora de um morcego.
Comparando com a A.'.A.'., posso dizer que ali ele tornou-se um Neófito já que, após passar a adolescência inteira treinando pelo mundo todo, várias formas de lutas, investigação policial, psicologia, sempre atrás de um propósito, com vontade inabalável sempre perdurando, ativou seus altos manas e Adonai manifestou-se em Malkuth. No caso dele, na forma de um morcego, no início da vida adulta. Dali então ele descobriu um caminho no qual seguiu inabalável por anos até o trauma da morte de Robin. A tragédia fez com que mergulhasse no ordálio do remorso. Provavelmente ele prendeu-se no Véu de Parroketh. O seu ponto fraco estava ali, pois a morte de seus pais nunca fora resolvida em seu íntimo e, a encarando na pele do discípulo, fora um prato cheio para o Demiurgo/ego.
Porém, algo dentro dele clamava a libertar-se. Ele sentia-se um inútil dizendo "um Holandês Voador (da lenda do navio fantasma que vagava pelo mundo sem nunca penetrar no reino dos mortos.)"
A história começa nesse ponto. Ele sentindo-se vazio, acontecendo um chamado, o seus inconsciente o perturba nos sonhos, aquela voz no fundo da mente, débil, porém constante nunca deixando-o esquecer de quem foi e do que pode voltar a ser. Sonha com sua infância descobrindo a caverna onde notara a presença de algo, ali na escuridão da mesma. Um paralelo à profundidade de seu inconsciente: "Então... algo se move oculto... respira o ar viciado.... e sibila".
Dias depois ele acorda e percebe que está sem o bigode (o seu "inconsciente" o tirou, pois antes quando era Batman não o usava). Gotham estava sofrendo uma onda de calor muito grande que atiçou a criminalidade, percebemos então que o cenário está sendo montado por Adonai.
Á noite Bruce Wayne está sentado na poltrona de sua sala e começa assistir TV. Passando os canais, pára num canal de reprises, onde passa o filme A Máscara do Zorro , o mesmo filme que fora assistir com seus pais na noite em que foram mortos. O assassinato aconteceu na saída do cinema. Ele então pensa em mudar de canal mas vacila, aquela voz débil no fundo da mente o faz tomar a atitude: "Não. É só um filme, nada mais. Que mal há em se ver um filme?" pensa ele. Ao mesmo tempo um frente fria dirige-se a Gotham esfriando a cidade, deixando-a coberta por nuvens escuras.
Aí começa o clímax da história: vendo o filme ele começa a lembrar o momento do maior trauma de sua vida: passa a reviver as cenas da morte dos seus pais, começa a se descontrolar, algo começa a emergir do fundo de seu ser, começa a mudar de canal, totalmente descontrolado e só passa por canais que citam a onda de crimes que assola a cidade. A frente fria chegou e começa a trovejar, as nuvens negras se fecham sobre Gotham. Ele então sai no meio da chuva, esbarrando em tudo e surge a voz na sua cabeça:
"O momento chegou! Em seu íntimo você sabe... pois eu sou sua alma! Não há como escapar de mim! Você é frágil... Você é pequeno... Você é menos do que nada... uma carcaça vazia... um trapo que não pode me conter! Ardentemente, eu queimo sua pele... e assim brilho cada vez mais belo e feroz! Você não pode me deter... nem mesmo como vinho... ou com o peso da idade! Você não tem como me deter...e, mesmo assim ainda tenta...ainda foge! Você tenta me abafar... mas sua voz é débil!"
Aí ele volta para a mesma sala de anos atrás, onde imerso em si mesmo liga a secretária eletrônica que toca as mensagens. Mas ele não as ouve. Olha para a janela e vê apenas trevas do outro lado. Então surge uma luz intensa do lado de fora e nota-se um morcego longe... chegando lentamente. Ele aproxima-se mais e mais. Então volta a ficar escuro e, de repente, o morcego atravessa a janela. Corta a cena para uma panorâmica da tempestade chegando. As pessoas se assustando com a tempestade. Um assalto e um bandido e detido por lâminas com formato de asas de morcego. Os jornais da TV noticiam uma figura misteriosa agindo em Gotham detendo vários bandidos, não os matando mas não se importando em quebra-los. Então ele aparece pulando entre prédios espantado por ainda saltar como um jovem:
"Onde está a dor? Meus músculos deveriam estar massacrados exaustos... e eu incapaz de me mover. Se eu fosse velho, na certa estaria assim... mas hoje volto a ter trinta anos... não, vinte. A chuva em meu peito é um batismo. Eu nasci outra vez."
Pode-se dizer que no momento na sala ele atinge Thiphareth e encontra-se com seu Sagrado Anjo Guardião, representado pelo morcego na janela. Assim como Adonai manifestou-se da mesma maneira anos atrás, agora ele volta, só que completo, arrebatador.
Durante a série vemos que Bruce Wayne não existe, ele é o ego, é ilusão. Batman é o verdadeiro Ser, o seu mais íntimo Eu. Ele não mostra remorso em espancar bandidos. Ele não se importa com que a imprensa e o povo falam. Ele não está nem aí. Nada o detém, pois ele (re) descobriu sua Verdadeira Vontade. A Estrela entrou na sua órbita e ninguém a detém.
Nem mesmo o ser mais poderoso do planeta: o Super-homem. No duelo final, Batman o derrota e evoca um pensamento digno de Nietzsche: "O mundo só faz sentido quando você o força a ter ". O magista deve encarar tudo como experiência, deve agir e o universo se curva a sua Vontade, segundo Liber AL: "Vinde a mim é uma palavra tola, pois sou eu que vou"(3). Se ficar esperando o Trem das 7 passar, meu amigo, você dança. Corra atrás dele.
No caso, poderemos dizer que o Super-homem é um agente do Demiurgo. Na série ele tornou-se um fantoche do governo norte-americano, agindo como agente dos interesses dessa nação, a fortuna minor. Sua cor brilhante, sua luz, está a serviço da ilusão, do fascismo, da castração, daquilo que não é diferente, da pasteurização. Em contrapartida, as trevas de Batman representam a liberdade, a anarquia existencial a quebra dos padrões, a evolução pessoal sem submeter-se aos padrões da maioria. Ele é diferente, aparentemente feio, assustador e visto como mal por muitos, assim como o iniciado. O iniciado, o Batman, nada contra a corrente - não é assim que se chega na fonte de um rio? Nós mesmos não seguimos os ensinamentos de um tal Besta 666? Quer coisa mais feia e assustadora do que isso? O homem comum, o preconceituoso, o medroso afasta-se logo ao ouvir essas coisas. Já conclui sem ler nada da obra dele. Isso acaba servindo como primeiro filtro.
A cena de Gotham às escuras devido ao pulso magnético da bomba atômica, sendo controlada por Batman é impressionante. Ele solta os cavalos de sua mansão e convoca os garotos criminosos a deter, sob suas ordens, a loucura de saques que se transformou a cidade. A nova Robin então pensa no momento em que se ele se dirige ao bando de delinqüentes: "Parece que vai começar uma tempestade... mas é só a voz dele."; Batman que acabara de tomar uma arma de um membro da gangue de criminosos fala:
"Este objeto covarde e idiota... ele é a arma do inimigo! Nós não precisamos disto! Nossas armas são silenciosas.. precisas! No tempo certo, ensinarei como devem ser usadas! Esta noite, vocês usarão os punhos... e a astúcia! Esta noite nós somos a lei! Eu sou a lei!"
Ele então comanda todos a deter o pandemônio. Recorre a violência, mas não mata ninguém. É isso que o diferencia. É um limite que ele nunca ultrapassa, apesar de viver sempre perto, como o Iniciado. E nenhum dos meliantes que o ajudam ousam desobedece-lo. Numa cena a Robin vê o Batman e filosofa:
"Eu percebi aquilo só uma vez durante a noite toda! Ele deu um bocado de ordem e todo mundo se mandou! Então, quando ficou só... Batman se curvou sobre a sela... como um velhinho! Mais do que depressa o homem se ergueu e riu para mim! Ele é imortal..."
Tudo isso serve para solidificar o conceito, de que Batman é alguém que achou o seu verdadeiro caminho na vida. Com disse acima, ele foge a imagem tradicional de bonito, belo e correto socialmente - que não passa de convenção local de uma sociedade. O iniciado não precisa ser bonito, rico ou famoso. Isso é ilusão. Isso faz com que fiquemos eternamente presos na Roda de Sansara. É claro que todos nós queremos dinheiro, queremos viver bem. Mas não se engane.
Nunca confie no conhecido no tradicional. Em magia nada é o que parece. Vários irmãos nossos tiveram consecuções das mais variadas e bizarras formas: um foi ouvindo uma fita, outro tomando banho. Outro foi enganado durante um tempão por uma imagem mental de um personagem de cinema , que o impedia de evoluir, ensinando-o algumas coisas em magia até vence-la. Nada de luzes brancas radiantes, anjos descendo do céu, etc. Desconfie sempre do belo. Como diz a sabedoria popular: "Nem tudo que reluz é ouro".
Resumindo: nesta estória Batman representa o iniciado que se encontrou, pelo menos em Thiphareth. Adonai sempre esteve ali, oculto, chamando-o ao longo dos anos de sua reclusão. Agiu no inconsciente como sempre faz conosco (através dos sonhos de Wayne por exemplo, fazendo com que ele assistisse áquele filme naquele momento específico. Se o tal morcego que entrou pela janela era real ou apenas fruto da mente do iniciado, deixo para você decidir ).
Ao enfrentar o bandido Duas-Caras, Batman vê um reflexo do que poderia ter sido: um obsessivo, um assassino. Alguém que poderia ser dominado por seu lado negro. Algo muito fácil de acontecer com quem adentra o caminho da Iniciação. De certa maneira, o Coringa representa o caos, o descontrole total, Choronzon, algo que Batman odeia, pois é uma fronteira que ele poderia ter cruzado. Como disse acima, o verdadeiro magista vive nos limites de seu ser pronto a ser apanhado nas fraquezas, afinal toda Sephiroth tem as suas Qliphoth.
Pode-se concluir outras coisas, por exemplo, que ele atravessou o Abismo, derrotando o ego cessando a ilusão, Maya. A travessia do Abismo termina quando derrota o Super-Homem. Ele simula sua morte, tomando uma droga que parou o seu coração por um certo tempo, sendo retirado mais tarde do túmulo pela sua discípula Robin.
Veja bem o paralelo que posso traçar: ele morre para renascer, como faz um Bebê do Abismo, vencendo Mara, a morte. Renasce na Terceira Ordem tornando-se um Magister Templi, cuidando de seu Jardim de Discípulos como faz no final da história, levando os delinqüentes para a caverna e ali, junto com outros, treiná-los, com diz no final da história:
"Nós temos anos. Quantos forem precisos. Anos... para treinar, estudar e planejar... aqui na interminável caverna, longe dos despojos de um justiceiro cujo tempo já passou. Aqui tem início... um exército... para trazer sentido ao mundo infectado por algo pior do que ladrões e assassinos. Vai ser uma boa vida. Boa mesmo. "
Ele concluiu a travessia do Abismo, abandonando Batman ("longe dos despojos de um justiceiro cujo tempo já passou") o seu S.A.G., como faz o iniciado nessa fase da iniciação, tornando-se uno, sem a dualidade Batman/Bruce Wayne, característica das ordens inferiores ao Abismo, mas um homem transformado, um Buda. Os hindus chamam esse tipo de homem de Bodhisattva, aquele que atingiu a iluminação mas permanece neste mundo para ajudar outros a alcançá-la.
Tudo que eu escrevi aqui é passível de crítica intelectual, pois cada um enxerga as coisas à sua maneira, porém, possuo um pouco mais de experiência e conhecimento técnico no ramo o que facilita essas conclusões. Incentivo você a descordar de mim, apontando os pontos onde acha que existem erros. É bom que faça isso, porém, faça-o da maneira correta: estudando e, principalmente, vivendo a Iniciação. O intelecto mostra-se falho e ilusório se não temos a experiência. Quem não as tem, vive proferindo dogmas e sofismas (ver Notas Gerais das Práticas), como aconteceu com um Probacionista da A.'. A.'.: o instrutor tentava explicar para ele o que era o Demiurgo, sem possuir a experiência de seu conhecimento, e apenas a descrição de livros e sua opinião intelectual. Entrava numa confusão danada de Saturno, demônio, prisão, uma salada que não entendia-se nada no final. Puro sofisma. Só quando esse Probacionista sofreu na pele um ordálio onde sentiu a manifestação "demiúrnica" é que finalmente entendeu. Hoje é um "magista escoteiro": "sempre alerta", achando que seu instrutor vai pregar-lhe uma peça a toda hora. Faz bem.
93,93/93
Keron-E
1 - Enviado a um Estudante da A.'. A .'. que possuía alguma dificuldade no aprendizado. Assim como eu, ele gostava de cultura pop e usei como metáfora. Escrevi isso em 2001 e.v. e, apesar existir de um ou outro erro conceitual sobre a Iniciação não alterei, pois o texto trabalha bem os símbolos ainda funcionando como ponto de partida.
2 - Em relação a essa estória, não deve-se supor que o autor possua conhecimentos iniciáticos, mas certos processos são universais e se repetem de várias formas.
3 - Do original: "I am the Magician and the Exorcist. I am the axle of the wheel, and the cube in the circle. 'Come unto me' is a foolish word: for it is I that go." AL II, 7